012
Notas:
1) É abóbora, mas desconheço, ainda, a espécie. Quem souber, agradeço que me informe. Podem atingir e mesmo ultrapassar os 100 cm de comprimento.
2) Secas, bem secas, e retirado o recheio (sementes e resíduos), são usadas como vaso para guardar e/ou transportar líquidos (água, vinho). Dizem que, depois de secas, introduzidas no mosto em fermentação, ficam mais resistentes.
3) Também há quem as utilize como adorno.
4) Há, ainda, quem as decore com pinturas.
segunda-feira, 25 de novembro de 2013
quarta-feira, 20 de novembro de 2013
segunda-feira, 18 de novembro de 2013
Camilo & Viana 004
Camilo e os irmãos Barbosa e Silva [03]
A amizade entre Camilo Castelo Branco e os irmãos Barbosa e Silva de
Viana do Castelo poder-se-á situar entre finais da década de 1840 e meados da
década de 1880. Com efeito, a primeira carta (a sê-lo) do escritor, dirigida a
José, irmão mais novo daquela família vianesa, é de 10 de Julho de 1849, e a
última é de 23 de julho de 1885, dirigida ao Luís, único dos quatro irmãos
masculinos ainda vivo (a irmã, Maria Cândida, faleceria em 1908).

Recordemos essa primeira carta que Camilo dirigiu a José Barbosa e
Silva, diretamente para o Colégio da Formiga,
e comentários que a seu respeito fazem Xavier Barbosa e Alexandre Cabral.
«Ill.mo Amigo
O abraço, que se dignou transmittir-me, por via do
nosso Carneiro, devo retribuir-lh’o, acompanhado destas quatro linhas fluentes
e sem presumpção, se tantas são bastantes para affiançar a V. S.ª
o m[ui]to apreço em que tenho os seus
favores.
Vai esse joven enamorado mendigar-lhe as suas
distraçoens: eu creio que lhe serão de grande proveito, e, por ventura, de
instrucção, que elle parece desejar. Eu espero um dia livre para cumprir uma
promessa. Os banhos de mar, que a Medicina empyricam[en]te me aconselha,
estorvão-me o maior numero de outras occupaçoens: – verd[ad]e é, que das mais
gratas ao coração, já tenho cedido a beneplacito de uma espécie de sezão moral
que me apouquenta.
Agradeço o empréstimo do livro.
10 de Julho de 1849.
Desponha do
De V. S.ª am[ig]o verdad[ei]ro
Camillo Castello
Branco »
[Barbosa,
1919: 101-102. Também em Cabral, 1984 (I): 43]
Observa, em rodapé, Xavier Barbosa, sobrinho dos irmãos Barbosa e Silva, que, face ao «tratamento cerimonioso» utilizado, «as relações entre Camilo e José Barbosa teriam começado pouco antes d’essa época, talvez nas ferias [grandes, suponho] imediatamente anteriores.» [Barbosa, 1919: 102]
Alexandre
Cabral, por seu turno, depois de referir ser esta «porventura a primeira carta
de Camilo para José Barbosa e Silva», cujo «autógrafo» terá, entretanto, «desaparecido»,
observa que o «tom da carta é presunçoso» e que «a assinatura vem por extenso,
o que associado ao tratamento protocolar denota que o signatário queria
ficar-se pelas normas cerimoniosas.» [Cabral, 1984 (I): 44]
De
facto, as fórmulas de tratamento elevado, deferenciais de terceira pessoa,
utilizadas por Camilo, desde a saudação à despedida, são de distanciamento
cortês, considerando e, por isso, colocando o destinatário numa posição de
superioridade. Tal, porém, pode ser resultado, por um lado, de se tratar de um
registo epistolar, obviamente escrito, onde, por isso, as fórmulas de
tratamento cortês eram (e são), em regra, mais formais e convencionais. Por
outro lado, a carta é enviada para o Colégio
da Formiga, onde José Barbosa e Silva era estudante.
Isto
não invalida, por isso, que entre ambos não existisse, há já algum tempo, uma
relativa amizade, fruto de algum convívio entre eles e outros seus amigos, como
se depreende da troca do empréstimo de objetos (livro), de agradecimento por
favores recebidos e da referência a amigos comuns. Convirá dizer que, logo na
segunda carta, datável de janeiro de 1850, Camilo utiliza o tuteamento e formas
de saudação e despedida corteses de proximidade e de relativa intimidade: «Meu
caro José Barbosa» e «Teu do C[oração]».
Camilo
e José Barbosa e Silva conheceram-se, portanto, antes daquela data, se não em
1849, no ano anterior. Os seus primeiros encontros ter-se-ão verificado, muito
provavelmente, num convívio de jovens, companheiros de boémia, no Porto, semelhante,
ao que o escritor relata, logo no início, de A Mulher Fatal (1870, 1.ª ed.).
O
autor-narrador recorda ter conhecido o protagonista da história, Carlos Pereira
(«pseudónimo», informa em rodapé), por apresentação, precisamente, de José
Barbosa e Silva. Assim:
«Conheci
Carlos Pereira em 1849.
Apresentara-m’o
José Barbosa e Silva, no hotel francez da rua da Fabrica.
Foi há vinte annos. Barbosa e Silva
e elle eram alumnos do collegio da Formiga, nos arrabaldes do Porto. Barbosa
estudava allemão. O outro, nada.
Lembram-me
pormenores d’aquella noite de apresentação.
Estava
também o Evaristo Basto, o principe dos folhetinistas d’aquelle tempo.
Estava
José Maria Gonçalves, a satyra caustica, mas gentil e perfumada dos salões.
Estava
mademoiselle Pauline, filha do dono do hotel, dama de trinta annos, espirito
francez e materia não desattendivel sem os realces do espirito.
Estava,
emfim, mademoiselle Marie Elesmine, mulher de quarenta e dois annos, que
vigiava os trinta de Paulina, sua irmã.
O
ar do meu quarto incommodava os hospedes. Eu tinha dez jarras de flores sobre
uma estantinha de livros, sobre a banca de escripta, e á cabeceira do meu
leito. Removi-as com amoroso respeito e escrupulo.
Era
um lindo quarto o meu, lindo e rico de tantas porcelanas, e flores que vinham
cada manhã d’uns hortos d’Armida onde as cultivava uma alma que as intendia, e
com ellas fallava.
Vinte
annos depois os olhos da minha saudade vão á rua da Fabrica, e procuram o hotel
francez.
Era
um palacio que ardeu ha quinze annos. No sitio d’elle está uma casa de azulejo,
onde mora um tabellião, uma philarmonica, uma taverna, um carpinteiro e um basar.
O
dono do hotel morreu.
Mademoiselle
Marie afogou-se voluntariamente.
Mademoiselle
Pauline mendiga nas ruas do Porto.
José
Barbosa e Silva morreu ha trez annos.
Evaristo
Basto morreu ha quatro.
José
Maria Gonçalves morreu doido, ha dez.
A
doce alma que colhia as flores já não vê reflorir primaveras os bolbos que ella
semeou. Ha sete annos que, ao cahir da folhagem das suas acassias, por uma
tarde fria de novembro, foi aquecer-se ao calor do céo, e não voltou.
Carlos
Pereira morto é também.
Que
admira! Foi ha vinte annos! Que longo espaço! Em vinte annos enfolha, inflora,
frutea e fenece uma geração.
Mas
é pena! que todos contavam com tanta vida!
E alguns tinham pavor da
velhice dos quarenta annos!» [Branco, s/d: 17-19]
.jpg)
E
mais não digo. O meu Amigo Camilo não consente que eu vá mais longe, no desfiar
destes novelos de amores trágicos que ele, só ele, sabe contar. Como se sabe.
Não
é só n’A Mulher Fatal, porém, que
Camilo se refere explicitamente a José Barbosa e Silva. Em vários outros textos
o faz, como em futuros posts
mostrarei.
Antes,
porém, cabe sintetizar o essencial da última carta (a não terem sido destruídas
posteriores) enviada por Camilo a Luís Barbosa e Silva, a quem trata, na
saudação, por «Meu Caro Luís B.» e, na despedida, se auto-refere por «teu velho
amigo».
Enviada de Santo Tirso,
onde Camilo se encontrava em tratamento, forçado
pela doença e pelo médico, mas com
poucas esperanças de restabelecimento, o escritor agradece ao amigo vianês
as felicitações enviadas pelo viscondado
(visconde de Correia Botelho – «chimera
que juntaram ao meu velho nome») com que fora, finalmente, agraciado, um mês
antes, por decreto de 18 de Junho de 1885. [Barbosa, 1919: 96-97; Cabral, 1989:
224 e 1984 (II): 157].
Leituras:
BARBOSA, Luís Xavier, 1919: Cem Cartas de
Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
BRANCO, Camillo Castello, s/d (2.ª ed.; a 1.ª é de
1870): A Mulher Fatal.
Lisboa: Livraria Campos Júnior, Editor.
CABRAL, Alexandre, 1984 (I): Correspondência
de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva (vol. I).
Lisboa: Horizonte.
----------, 1984 (II): Correspondência de
Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva e com Sebastião de Sousa (vol.
II). Lisboa: Horizonte.
----------, 1989: Dicionário
de Camilo Castelo Branco. Lisboa: Caminho.
Notas finais:
1)
Os retratos de José Barbosa e Silva e de Camilo são cópias disponíveis,
respetivamente, AQUI e AQUI.
2) Nas transcrições e títulos de livros,
foi respeitada a (orto)grafia das edições consultadas.
quinta-feira, 14 de novembro de 2013
quarta-feira, 13 de novembro de 2013
sábado, 9 de novembro de 2013
Camilo & Viana 003
Camilo e os irmãos Barbosa e Silva [02]
A
segunda referência de natureza literária à cidade de Viana e aos amigos
vianeses, deixou-a Camilo Castelo Branco também no álbum de José Barbosa e
Silva, como se leu no post anterior. Em 1853, o escritor tinha vindo
passar as festas da Páscoa a esta cidade, a convite e como hóspede dos
abastados Barbosa e Silva.
Na Quinta-feira Santa daquele ano, ao pedido de um poema, Camilo correspondeu
com um texto em prosa. Naquele dia, tocado certamente pelas cerimónias
religiosas a que assistira, não conseguia – confessa – «arrancar do coração um
poema de lagrimas», já que «a linguagem da dôr suprema é o silencio». Mas, passados
dois ou três dias, escreveu, no álbum do amigo, estes versos:
«Á
ULTIMA HORA
Bem sabes, amigo, que prisma d’encantos
Eu tinha, se em sonhos Vianna antevia!
O prisma era o modo de ver d’um poeta,
Que esconde na alma sentida poesia.
Com pranto nos olhos, Barbosa me viste,
Mendigo d’alivios, refugio buscar
Na terra, que eu vira tão linda sorrir-me,
Na terra, que encina a sentir e callar.
E a mão da amisade enchugou-me este pranto!
Barbosa, qual anjo me deste a bonança!
Bem sabes que grito de magua profunda
Fizeste callar com palavras d’esp’rança...
Amigos me deste dos muitos que tinhas
Amigos, que prendem, quaes outros não vi,
Que inspiram saudades, e crenças formosas
Na terna amisade, que eu levo daqui.
28 de Março de
1853.
Camillo Castello Branco.» (Barbosa, 1919: 73)
Camilo
confessa ter encontrado, na amizade e no conforto dos amigos vianeses, o alívio
da dor que, ultra-romanticamente,
tinha sentido e expressado no texto em prosa. Mas que dor, que sofrimento, que abatimento moral?
O
poema está datado de 28-03. Camilo regressou ao Porto, na madrugada de 29,
onde chegou à noite de 30. E logo, em 31, escreve ao amigo vianês a seguinte
carta:
«No primeiro dia dormi em Vila
Nova; no segundo vim jantar ao Porto. Não me ressinto da jornada.
Na noute desse dia cingi a
flébil cintura da valida, e vi[-]a estorcer-se em contorções amorosamente
lúbricas, mas idealmente banidas dos prazeres dos Antonys, Josés Augustos, e
quejandos vaporosos deste materialíssimo século.
Tenho-me visto em grande fadiga
de arranjar o confortable doméstico. Procuro uma criada, que preencha
as missões consignadas ao nosso cavaco – Espero-a breve, por que daí não podem
vocês dispôr, do que não lhe chega para seu uso. Grandes marotos!
Vai ao correio, e atira-me para
cá com uma carta, que lá deve estar em meu nome. Dá-me muitas saudades a teus
irmãos, e aos nossos amigos, que me deram a liberdade de lhes dar este nome
sinceramente do coração. Adeus, meu caro –
Teu
Camilo
Porto 31.3.1853.» [Cabral, 1984 (I): 59.]
Xavier
Barbosa transcreve desta, como de outras das Cem Cartas de Camillo que publicou, das muitas que possuía, apenas um
fragmento, o último parágrafo, neste caso. O sobrinho dos Barbosa e Silva, confesso
admirador do romancista, evitava, assim, revelar inconfidências, como justifica no «proemio».
Quem
seria a tal valida a quem Camilo cingiu a flébil cintura, na noite em que
pernoitou em Famalicão, e que viu
estorcer-se em contorções amorosamente lúbricas?
O destinatário da carta,
seu íntimo e confidente amigo, sabia muito bem a quem o autor se referia. E nós,
hoje, também sabemos. Lá se foi a profecia de ser monge, escrita no álbum do amigo, no final do
texto da Quinta-feira Santa.
Camilo
assistiu em Viana, como se leu, às cerimónias da Semana Santa. Confessou ter
ficado intimamente emocionado, segundo lavrou
no álbum, sobretudo com as «Lamentacoens
dos anjos do claustro», cantadas por «aquellas vozes moduladas por labios que
nunca tocaram o fel da taça mundana». Referia-se aos «cantos sagrados entoados
pelas freiras no templo das Carmelitas», indica Luís Xavier Barbosa (1919:
71). Que Carmelitas e que templo?
Em
meados do século XIX, havia ainda abertos em Viana dois conventos franciscanos
femininos de carmelitas. Um situava-se onde atualmente se encontra o Seminário das Missões do
Espírito Santo e a Igreja das Ursulinas (Fig. 02). O outro situava-se onde está
instalado o Lar de Santa Teresa e a Igreja de Nossa Senhora de Fátima (Fig.
01).
O
primeiro – Convento, sob a Regra de Santo
Agostinho – foi fundado, «por carta régia de 8-3-1778, obtida pela Câmara
Municipal de Viana». Nele funcionava, desde essa data, «o “Colégio de Nossa Senhora das Chagas”, dirigido por religiosas das
Ursulinas, com pensionato e externato para as raparigas da classe burguesa».
(Fernandes, 1990: 102)
O
segundo – Mosteiro do Desterro [de Jesus, Maria e José] – foi o último a ser fundado em Viana, no
ano de 1780. Ocupava, então, uma área muito mais vasta, compreendendo os terrenos
onde hoje se encontram a Escola E-B 2,3
de Frei Bartolomeu dos Mártires e a Escola
Secundária de Santa Maria Maior, além de outros. Isabel Pinho fez a
história do Mosteiro do Desterro de Viana do Castelo e resume a sua origem e a vocação franciscana da ordem
religiosa, nos seguintes termos:
«Num
tempo de progresso científico opôs uma fé incondicional, uma crença
essencialmente espiritual traduzida no despojamento, simplicidade e austeridade
de formas. A grandiosidade volumétrica espanta enquanto convida à elevação, ao
louvor e ao recolhimento interior, como um espelho da fundadora da Ordem
Carmelita [Santa Úrsula].» [Pinho, 2009: 319]
Foi,
certamente, neste mosteiro que Camilo ouviu aquelas lamentações que tão profundamente o comoveram e na sua memória
permaneceram. Com efeito, quatro anos depois, em carta a José Barbosa e Silva
(03-02-1857), depois de referir que estava «escrevendo artigos para a Aurora [do Lima]» e de dar indicações
sobre outros que já tinha enviado, desabafa:
«Estou morto por sair daqui [Porto]. Nunca passei tão mal de corpo e alma! Havemos de
ir ao
nosso templo das Carmelitas ouvir os
hinos da Paixão. Que saudades, e que poesia me faz a esperança! Os meus enlevos
já se não prendem a outras inspirações. Sou no íntimo da alma religioso; mas de
cabeça um homem do mundo e do século.»
[Cabral,
1984 (I): 145. Também em Barbosa, 1919: 35]
Camilo,
por esta data, preparava, com o amigo José Barbosa e Silva, a sua vinda para
Viana, a fim de se dedicar, por inteiro e antecipadamente bem pago, à redação d’A Aurora do Lima. Chegou a Viana, na tarde de 07-04-1857, com
regresso abrupto ao Porto, na manhã de 28-05. Porquê?
Hei
de voltar a esta interrogação e à presença de Camilo em Viana, quando abordar a colaboração que o
escritor manteve com A Aurora do Lima.
Mas talvez valha a pena recordar a carta que o escritor escreveu a Luís Barbosa
e Silva, a 27-05. Nela encontrar-se-á, antes da saudação final, (um)a
resposta:
«MEU CARO LUIZ B.
Recebe o meu saudoso adeus.
Parto n’esta semana p[ar]a o Porto.
Ali me tens ancioso das tuas ordens.
Não pude vencer a saudade, picada pelas incommodid[ad]es em q[ue] vivo aqui. Isto
ainda não está para mim, meu caro Luiz. O coração, ou o habito podem muito.
Adeus.
Teu do c[oração].
Camillo Castello Brc.º.» [Barbosa, 1919: 47. Também em Cabral, 1984 (II): 130]
Não
era, evidentemente, apenas o José Barbosa e Silva que sabia dos poderes que o coração ou o hábito tinham,
naqueles anos, sobre a “clandestina” vida afetiva e sentimental de Camilo. O irmão Luís, da mesma idade do escritor, também devia estar a par do que se passava, entre ele e ela.
Leituras:
BARBOSA, Luís Xavier, 1919: Cem
Cartas de Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
CABRAL, Alexandre, 1984: Correspondência
de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva (vol. I).
Lisboa: Horizonte.
----------, 1984a: Correspondência
de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva e com Sebastião de
Sousa (vol. II). Lisboa: Horizonte.
FERNANDES, Francisco José Carneiro,
1990: Viana Monumental e Artística.
Espaço urbano e património de Viana do Castelo. Viana do Castelo: Edição
do Grupo Desportivo e Cultural dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo,
E.P.
|
Notal final
- Nas transcrições e
títulos de livros, foi respeitada a (orto)grafia das edições consultadas.
segunda-feira, 4 de novembro de 2013
Camilo & Viana 002
fez 188 anos” deve ser considerado Camilo & Viana 001.
Camilo e os irmãos Barbosa e Silva [01]
Camilo viera passar
a Semana Santa daquele ano nesta cidade, a convite do amigo, com o beneplácito,
certamente, dos irmãos, todos eles mais velhos, Mateus José (1821-1882), Maria
Cândida (1822-1908), António (1823-1866) e Luís (1825-1892). Durante esta sua primeira
estada em Viana, Camilo deve ter convivido também com outros amigos vianeses,
filhos, uns e outros, de famílias abastadas.
Camilo e José conheceram-se, em 1849, no Colégio da
Formiga (Maia-Porto), onde o jovem Barbosa e Silva estudava alemão. A partir
deste ano, a amizade entre ambos foi-se desenvolvendo e aprofundando, numa
relação afetiva quase fraternal, com interesses e cumplicidades mútuas. Além de
outros testemunhos escritos, as cartas que o escritor enviou a José (cerca de
200) e a Luís Barbosa e Silva (25), mostram, claramente, quão fortes eram os
laços que os uniam. Consultem-se os dois volumes Correspondência de Camilo Castelo Branco com os irmãos Barbosa e Silva
(I), e […] e com Sebastião de Sousa
(II), publicados, em 1984, por Alexandre Cabral. E a coletânea Cem Cartas de Camilo, coordenadas e anotadas por Luís Xavier
Barbosa, editada em 1919.
Xavier Barbosa
(1849-1925) era descendente dos Barbosa e Silva, pelo lado materno. A mãe, Maria
Cândida, era irmã dos Barbosa e Silva. Xavier Barbosa, embora vivesse em
Caminha, onde nascera, vinha passar férias, em criança, a casa dos tios vianeses.
E aqui chegou a ver e conhecer o escritor. Logo no início do «proemio», conta,
em terceira pessoa, o «coordenador das cartas» que,
«Em 1857, com pouco mais
de 7 annos, estava accidentalmente em Vianna do Castello; e ainda se lembra de,
ahi, ter visto um homem alto e feio, picado das bexigas, de bigode hirsuto,
transitar pausadamente pelas ruas da cidade, parecendo ser figura de prestigio,
pela firmesa da marcha e pelo aprumo do porte; e, de feito, os que com elle se
cruzavam, não resistiam a voltarem-se e a olharem-n'o com persistente
curiosidade.» [As páginas do «proemio» não se encontram
numeradas.]
É neste volume das Cem Cartas de Camilo que se encontram os textos camilianos acima
referidos e que Camilo deixou escritos no álbum de José Barbosa e Silva.
Apresentarei, neste post, o texto em
prosa, segu(i)ndo a transcrição de Luís Xavier Barbosa (1919: 69-70). No próximo “Camilo
& Viana 003”, apresentarei o poema.
«“Pedis-te-me
uma poesia no teu album. Não posso, amigo, e tu não duvidas que não posso.
Pedir ao coração concentrado n'uma agonia surda, um hymno festival, é dizer aos
labios d'um cadaver, que se descerrem, e chamem, uma por uma, as illusões da
vida, q[ue] o abandonaram no leito da morte.
Tu sabes que eu soffro m[ui]to; e a
linguagem da dôr suprema é o silencio. Não creias nas angustias que os poetas
te contam. Não creias nas m[inh]as que eu também não creio nas tuas.
Na minha vida, não é esta a primeira
vez que tento embalde arrancar do coração um poema de lagrimas. Como Job, o
typo sublime da mortificação, eu, quando soffro, interrogo Deus audaciosam[en]te,
pesso-lhe a causa das m[inh]as turturas; mas pesso-lha gemendo e chorando no
intimo silencio de abatimento moral.
E não posso – a um amigo como tu, a um
anjo de consolações como tens sido p[a]ra mim – não posso, Barbosa, revelar o
inferno, q[eu] sinto aqui neste coração fadado para o infinito dos supplicios.
Recolhi-me á solidão do meu quarto,
quando me convidavas para uma reunião d'amigos teus, que deviam distrahir-me da
prostração profunda em q[eu] me deixaste. Não podiam conseguil-o. Eu sei q[eu]
é estéril a palavra do homem, e impotente a consolação do amigo.
Aquellas Lamentaçoens dos anjos do claustro – aquellas elegias
choradas no tumulo de Christo – aquellas vozes moduladas por labios que nunca
tocaram o fel da taça mundana, accordaram-me no espirito um desejo de abandonar
o corpo, um sabor anticipado da morte, um enojo de mim próprio, que nunca eu
saberei explicar. E, desde esse momento, sinto-me m[ai]s infeliz que nunca...
Barbosa! Deixa-me escrever-te uma profecia no
teu album: – Irás abraçar, um dia, um monge á portaria do Claustro, e não
poderás dar-lhe o nome, que lhe deste, no mundo, quando lhe chamavas
Camillo
Castello-Branco”
5.ª feira da Semana sancta –
Vianna – 1853 »
Notas finais
1) Nas transcrições, foi respeitada a (orto)grafia das edições
consultadas.
2) Em Vasconcelos, 1991 e 1999, os textos são ilustrados com
fotografias de Camilo, dos irmãos Barbosa e Silva, Ana Plácido e Luís Xavier
Barbosa, entre outras.
3) O desenho do rosto de Luís Xavier Barbosa encontra-se em ARAÚJO, 1990: 27.
Leituras
ARAÚJO,
José Rosa de, 1990: Queimei cartas de
Camilo. Viana do Castelo. Câmara Municipal de Viana do Castelo. O título é
frase atribuída a Luís Xavier Barbosa.
BARBOSA,
Luís Xavier, 1919: Cem Cartas de Camilo.
Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
CABRAL,
Alexandre, 1984: Correspondência de
Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva (vol. I). Lisboa:
Horizonte.
----------,
1984a: Correspondência de Camilo Castelo
Branco com os Irmãos Barbosa e Silva e com Sebastião de Sousa (vol. II).
Lisboa: Horizonte.
VASCONCELOS,
Maria Emília Sena de, 1991: «Os Barbosa e Silva, de Viana, e Camilo». Cadernos Vianenses. Tomo XV. Viana do
Castelo: Câmara Municipal de Viana do Castelo; pp. 111-127. Acessível também AQUI.
----------, 1999: «Velhos vultos de Viana». Cadernos Vianenses, Tomo XXV. Viana do
Castelo: Câmara Municipal de Viana do Castelo; pp. 45-54. Acessível também AQUI.
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