domingo, 8 de fevereiro de 2015

PEDRA POLIDA VI






«Nota Histórico-Artistica

No topo da Serra de Arga, numa zona de rochas escarpadas e desfrutando de uma panorâmica privilegiada sobre o curso final do rio Minho, a capela de São João é um dos mais importantes testemunhos medievais da região, não obstante a sua pequenez e simplicidade. Desde muito cedo foi sede de uma romaria dedicada a São João Baptista, ainda hoje realizada pelos finais de Agosto de cada ano, momento devocional que é apenas mais um a juntar às numerosas romarias locais que têm como destino a Serra. Carlos Alberto Ferreira de Almeida caracterizou bem esta situação, ao referir-se a uma "intensidade simbólico-religiosa" local, materializada numa "antropologia religiosa dominada por uma economia ganadeira" (ALMEIDA, 1987, p.154).

Desconhece-se a partir de que altura teve início esta concorrida romaria, assim como desconhecida é a origem da capela. Uma tradição cronística da época moderna, depois sucessivamente veiculada pelos Dicionários Corográficos dos séculos XIX e XX, sustenta que o primitivo mosteiro havia sido fundado por São Frutuoso, ao redor de 623 (ALVES, 1982, pp.148-149, cit. Fr. Leão de São Tomás e Pe. Carvalho da Costa), ano constante de uma discutida epígrafe de que, infelizmente, se perdeu o rasto. A recente avaliação que Mário Barroca fez desta inscrição, concluiu pela sua "existência duvidosa", a que não será alheia a "ânsia" de Fr. Leão em remeter as fundações beneditinas portuguesas para tempos remotos" (BARROCA, 2000, vol.2, t.1, p.162).

Por outro lado, este mesmo autor sugere que a inscrição, a ter existido, poderia antes referir-se ao ano de 1123, proposta mais de acordo com os prováveis caracteres que a compunham e relativa a uma época em que o mosteiro já certamente existia. Com efeito, sabemos que um ano antes, em 1122, aparece referido Sancto Johanne de Arga, data que se adapta muito melhor ao que conhecemos acerca do povoamento organizado da região.

Se é possível sugerir que o mosteiro existia já na primeira metade do século XII, a actual capela dificilmente corresponderá a essa época. À semelhança do vizinho templo de São Pedro de Varais, também a obra de São João de Arga pertence àquele românico tardio, tendencialmente incaracterístico em termos estilísticos, planimetricamente simples e decorativamente despojado. O que se conserva da fábrica românica aponta para uma cronologia ao redor dos finais do século XIII, época em que foi mais comum as pequenas igrejas rurais, de nave única relativamente curta e capela-mor quadrangular, de panos murários muito robustos e escassamente fenestrados e cachorrada de modilhões sem decoração. O único portal original conservado confirma esta apreciação, com o seu duplo arco já quebrado, assente em impostas lisas e de tímpano desprovido de elementos artísticos.

A capela passou por algumas reformas ao longo dos séculos. De 1333 é uma enigmática inscrição colocada na capela-mor (DGEMN on-line), provavelmente alusiva a uma campanha de obras, quem sabe se a que lhe conferiu grande parte da configuração actual. De maior impacto foi a campanha de finais do século XVIII ou já de inícios da centúria seguinte. Nessa altura, por a parte ocidental do edifício ameaçar ruína, ou por uma genuína vontade em actualizar e monumentalizar a fachada principal, refez-se toda esta parte da igreja, prolongando-se a nave e adaptando-se um frontispício com portal de arco recto ladeado e sobrepujado por óculos (que conferem maior luminosidade ao interior) e terminando em empena triangular irregular, acompanhada de volutas, pináculos nos ângulos e uma cruz axial.

Em redor da igreja, e para albergar os numerosos romeiros que aqui se deslocavam, construiu-se um albergue, edifício de dois corpos de planta em "L" e de dois andares. Tendo em conta que a fachada principal datará da viragem para o século XIX, é natural que também o albergue seja contemporâneo dessa empreitada, respondendo eventualmente a um crescente desenvolvimento da romaria e da festa em honra a São João.
PAF
[Ver AQUI.]

Obs. Como se vê pelas imagens, o conjunto edificado encontra-se em obras de restauro.

2 comentários:

  1. Quem viaja pela fotos do David ganha tempo e espaço viajando no tempo dos templos e esculturas recônditas, à espera de restauro ou restaurando sendo. E continuo eu sempre à espera de mais..

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    1. Muito obrigado. O património construído em pedra é das minhas preferências de registo. Infelizmente, ao fotografar, descubro coisas que os canteiros originais não gostariam que lhes fizessem às obras. Mas paciência. Salve-se ainda o que for possível. Outra coisa que muito me dói, são os efeitos da erosão. Como oportunamente terá oportunidade de verificar, quando fotografar certos edifícios. Afetuoso abraço.

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