quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Isto é do carvalho


Sim, também. Nem só bolotas se encontram nesta árvore, nem era só com landras (nome que lhes dava, em criança) que fabricava apitos [ver post anterior]. Outros brinquedos e brincadeiras também, como hei de mostrar, a seguir, enquanto postar à sombra do carvalho. [Landra, já agora, é forma popular (corruptela fonética) de lande e/ou glande. Digo eu…]
Para quem não saiba ou já se esqueceu, as formas ligeiramente esféricas que se veem nas imagens são bugalhos. Do meu carvalho, único no meu jardim. Ali nasceu, espontaneamente, e lá vai crescendo e engrossando, enquanto deixar. Qualquer dia, porém, vai abaixo.
 Aos bugalhos, chamava-lhes, em puto, cocras. Como, aliás, a outra rapaziada conterrânea e contemporânea. [Cocra, já agora, não entra nos dicionários. Mas registam (nem todos) cócora. O Morais, por (bom) exemplo, diz que cócora significa «castanha cozida, que se não descascou parcialmente, como é costume.» A parecença da cor e forma terão (e)levado o bugalho a cóc(o)ra. Mas, cá para mim, a onomatopeia é também de considerar. Com efeito, o efeito que, quando seco, o bugalho produz ao bater numa superfície dura, saltitando, como bola, é som parecido com o nome: cóc(o)ra, cocra, cocr… Que, aliás, também se ouve, quando batemos com o(s) nó(s) do(s) dedo(s) em cabeça, porta, tampa, lousa… Cocra é, assim, forma popular de cocre ou croque, também onomatopeias, como se sabe e sente.]
Retorno às cocras. Elas apresentam, em geral, uma forma esférica. Umas, porém, são mais redondinhas que outras, como se viu acima e melhor se nota abaixo [Fig. 1].



As esféricas são, porém, mais pequenas. Serviam-me de berlinde - aquele jogo em que os putos procuram meter a bolinha nos buraquinhos feitos no terreno. E, como estratégia defensiva, atacar os berlindes dos concorrentes, afastando-os do dito cujo. [Vá ao Google, se quer saber mais - descrição e imagens - sobre este jogo.] As outras cocras são maiores e têm, pela coroa que ostentam, um certo ar principesco [Fig. 2]. Lembram o atarracado Lord Farquaad do Shrek. Quem não conhece?
Com elas também brinquei (e quanto, meu caro), fazendo bonecos, moinhos e sarilhos de água, e também apitos. Umas e outras cocras, porém, são frágeis e, por isso, efémeras. Mas as coroadas ainda mais. Nos galhos e sobretudo nas nossas mãos. Ou nos pés, porque, à falta de bola de jeito (de trapos enfiados numa meia, ou de borracha – luxo raro – de couro, nem pensar) até uma cocra dava para uma rápida partida de futebol. Mas só enquanto os dedos dos pés descalços não começassem a sangrar e a doer muito, pelos chutos que dávamos também na terra, pedras, chancas e canelas de adversários e/ou até parceiros. Ou então, quando o jogo passava a luta livre e o choramingas ia queixar-se à mãezinha. Ou quando se avistava a patrulha da Guarda.
Nessas partidas, todos éramos, ao mesmo tempo, jogadores, treinadores e árbitros (e só um ou outro dono da bola e, por isso, da partida também). Aquilo era tudo ao molho e siga a rusga. O importante era meter o bugalho no sítio - a baliza sem rede dos outros - formada por duas pedras, ou uma pedra e um pau, ou a dita e uma árvore existente no campo pelado. A largura media-se a pé. A altura, com trave imaginada, a olho. De repente, o tamanho da baliza reduzia-se. Se as pedras e o poste fossem leves, como quase sempre, claro.
Mesmo no carvalho, depois do bichinho lhe sair do ventre, pelo orifício que lhe faz na casca, tanto nas coroadas [Fig. 3] como nas redondinhas [Fig.4], a cocra pouco mais tempo se mantém agarrada ao galho.


O nauta leitor sabe que as cocras (bugalhos) não são os frutos do carvalho. Frutos dele são, como sabe, as bolotas, as landras cá da terra. As cocras são excrescências que o carvalho (como o sobreiro e a azinheira) forma e desenvolve, contra invasores – as vespas, em particular [Fig. 5]. Estes irreverentes e indiscretos bichinhos alados semeiam ovos pelos ramos da árvore, que, para se defender dos efeitos colaterais do ataque, segrega uma substância com que envolve e isola cada um deles. Surgem, deste modo, as cocras. Cortando-se uma, ainda não perfurada, lá está o ovito ao centro [Fig. 6].


Entretanto, no interior do bugalho, o ovo passa pelas metamorfoses conhecidas: larva, ninfa e inseto . Alimentam-se do recheio da excrescência (rica em tanino, diz-se). Atingida a última fase, a vespa perfura-lhe a casca e, asas para que vos quero. Ala!, que estão ali umas lindas flores e uns frutos deliciosos à espera duma boa ferroada. Mas elas – cuidado! - também gostam de pele humana.
 Já vai longo este post, à volta das cocras (bugalhos). Mas também elas (eles) são do carvalho. Repito: com elas (eles) brinquei, em criança. Não duravam muito, porém, os brinquedos com elas (eles) feitos. Um dia, uma tarde… quem dera! As mais das vezes, apenas o momento da construção e o instante da deslumbramento. Fugazmente, como as brincadeiras. Como tudo. Ficaram-me, contudo, as lembranças. E o afeto ao (e)feito: transformar objectos naturais em culturais.
O brinquedo de cocras que, sentado ou de cócoras, mais gostava de fazer e com ele brincar era o seguinte [Fig. 7], aqui fotografado novinho em folha, ainda.



O “manual” da sua construção e uso fica, todavia, para a próxima.
E-ternamente retornarei, por isso.

1 comentário:

  1. Estou a ler com gosto as publicações do "e-terno retorno". Parabéns.
    António Matos Reis

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