Sim, também. Nem só bolotas se encontram nesta árvore, nem era só com landras (nome que lhes dava, em criança) que fabricava apitos [ver post anterior]. Outros brinquedos e brincadeiras também, como hei de mostrar, a seguir, enquanto postar à sombra do carvalho. [Landra, já agora, é forma popular (corruptela fonética) de lande e/ou glande. Digo eu…]
Para quem não saiba ou já se esqueceu, as formas ligeiramente esféricas que se veem nas imagens são bugalhos. Do meu carvalho, único no meu jardim. Ali nasceu, espontaneamente, e lá vai crescendo e engrossando, enquanto deixar. Qualquer dia, porém, vai abaixo.
Aos bugalhos, chamava-lhes, em puto, cocras. Como, aliás, a outra rapaziada conterrânea e contemporânea. [Cocra, já agora, não entra nos dicionários. Mas registam (nem todos) cócora. O Morais, por (bom) exemplo, diz que cócora significa «castanha cozida, que se não descascou parcialmente, como é costume.» A parecença da cor e forma terão (e)levado o bugalho a cóc(o)ra. Mas, cá para mim, a onomatopeia é também de considerar. Com efeito, o efeito que, quando seco, o bugalho produz ao bater numa superfície dura, saltitando, como bola, é som parecido com o nome: cóc(o)ra, cocra, cocr… Que, aliás, também se ouve, quando batemos com o(s) nó(s) do(s) dedo(s) em cabeça, porta, tampa, lousa… Cocra é, assim, forma popular de cocre ou croque, também onomatopeias, como se sabe e sente.]
Retorno às cocras. Elas apresentam, em geral, uma forma esférica. Umas, porém, são mais redondinhas que outras, como se viu acima e melhor se nota abaixo [Fig. 1].
As esféricas são, porém, mais pequenas. Serviam-me de berlinde - aquele jogo em que os putos procuram meter a bolinha nos buraquinhos feitos no terreno. E, como estratégia defensiva, atacar os berlindes dos concorrentes, afastando-os do dito cujo. [Vá ao Google, se quer saber mais - descrição e imagens - sobre este jogo.] As outras cocras são maiores e têm, pela coroa que ostentam, um certo ar principesco [Fig. 2]. Lembram o atarracado Lord Farquaad do Shrek. Quem não conhece?
Com elas também brinquei (e quanto, meu caro), fazendo bonecos, moinhos e sarilhos de água, e também apitos. Umas e outras cocras, porém, são frágeis e, por isso, efémeras. Mas as coroadas ainda mais. Nos galhos e sobretudo nas nossas mãos. Ou nos pés, porque, à falta de bola de jeito (de trapos enfiados numa meia, ou de borracha – luxo raro – de couro, nem pensar) até uma cocra dava para uma rápida partida de futebol. Mas só enquanto os dedos dos pés descalços não começassem a sangrar e a doer muito, pelos chutos que dávamos também na terra, pedras, chancas e canelas de adversários e/ou até parceiros. Ou então, quando o jogo passava a luta livre e o choramingas ia queixar-se à mãezinha. Ou quando se avistava a patrulha da Guarda.
Nessas partidas, todos éramos, ao mesmo tempo, jogadores, treinadores e árbitros (e só um ou outro dono da bola e, por isso, da partida também). Aquilo era tudo ao molho e siga a rusga. O importante era meter o bugalho no sítio - a baliza sem rede dos outros - formada por duas pedras, ou uma pedra e um pau, ou a dita e uma árvore existente no campo pelado. A largura media-se a pé. A altura, com trave imaginada, a olho. De repente, o tamanho da baliza reduzia-se. Se as pedras e o poste fossem leves, como quase sempre, claro.
Mesmo no carvalho, depois do bichinho lhe sair do ventre, pelo orifício que lhe faz na casca, tanto nas coroadas [Fig. 3] como nas redondinhas [Fig.4], a cocra pouco mais tempo se mantém agarrada ao galho.O nauta leitor sabe que as cocras (bugalhos) não são os frutos do carvalho. Frutos dele são, como sabe, as bolotas, as landras cá da terra. As cocras são excrescências que o carvalho (como o sobreiro e a azinheira) forma e desenvolve, contra invasores – as vespas, em particular [Fig. 5]. Estes irreverentes e indiscretos bichinhos alados semeiam ovos pelos ramos da árvore, que, para se defender dos efeitos colaterais do ataque, segrega uma substância com que envolve e isola cada um deles. Surgem, deste modo, as cocras. Cortando-se uma, ainda não perfurada, lá está o ovito ao centro [Fig. 6].
Entretanto, no interior do bugalho, o ovo passa pelas metamorfoses conhecidas: larva, ninfa e inseto . Alimentam-se do recheio da excrescência (rica em tanino, diz-se). Atingida a última fase, a vespa perfura-lhe a casca e, asas para que vos quero. Ala!, que estão ali umas lindas flores e uns frutos deliciosos à espera duma boa ferroada. Mas elas – cuidado! - também gostam de pele humana.
Já vai longo este post, à volta das cocras (bugalhos). Mas também elas (eles) são do carvalho. Repito: com elas (eles) brinquei, em criança. Não duravam muito, porém, os brinquedos com elas (eles) feitos. Um dia, uma tarde… quem dera! As mais das vezes, apenas o momento da construção e o instante da deslumbramento. Fugazmente, como as brincadeiras. Como tudo. Ficaram-me, contudo, as lembranças. E o afeto ao (e)feito: transformar objectos naturais em culturais.
O brinquedo de cocras que, sentado ou de cócoras, mais gostava de fazer e com ele brincar era o seguinte [Fig. 7], aqui fotografado novinho em folha, ainda.
O “manual” da sua construção e uso fica, todavia, para a próxima.
E-ternamente retornarei, por isso.
Estou a ler com gosto as publicações do "e-terno retorno". Parabéns.
ResponderEliminarAntónio Matos Reis