segunda-feira, 25 de novembro de 2013

haVer o que dá

012









Notas:
1) É abóbora, mas desconheço, ainda, a espécie. Quem souber, agradeço que me informe. Podem atingir e mesmo ultrapassar os 100 cm de comprimento.
2) Secas, bem secas, e retirado o recheio (sementes e resíduos), são usadas como vaso para guardar e/ou transportar líquidos (água, vinho). Dizem que, depois de secas, introduzidas no mosto em fermentação, ficam mais resistentes.
3) Também há quem as utilize como adorno.
4) Há, ainda, quem as decore com pinturas.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Camilo & Viana 004

Camilo e os irmãos Barbosa e Silva [03]

         
        A amizade entre Camilo Castelo Branco e os irmãos Barbosa e Silva de Viana do Castelo poder-se-á situar entre finais da década de 1840 e meados da década de 1880. Com efeito, a primeira carta (a sê-lo) do escritor, dirigida a José, irmão mais novo daquela família vianesa, é de 10 de Julho de 1849, e a última é de 23 de julho de 1885, dirigida ao Luís, único dos quatro irmãos masculinos ainda vivo (a irmã, Maria Cândida, faleceria em 1908).




      Recordemos essa primeira carta que Camilo dirigiu a José Barbosa e Silva, diretamente para o Colégio da Formiga, e comentários que a seu respeito fazem Xavier Barbosa e Alexandre Cabral.

«Ill.mo Amigo

O abraço, que se dignou transmittir-me, por via do nosso Carneiro, devo retribuir-lh’o, acompanhado destas quatro linhas fluentes e sem presumpção, se tantas são bastantes para affiançar a  V.  S.ª o  m[ui]to apreço em que tenho os seus favores.
Vai esse joven enamorado mendigar-lhe as suas distraçoens: eu creio que lhe serão de grande proveito, e, por ventura, de instrucção, que elle parece desejar. Eu espero um dia livre para cumprir uma promessa. Os banhos de mar, que a Medicina empyricam[en]te me aconselha, estorvão-me o maior numero de outras occupaçoens: – verd[ad]e é, que das mais gratas ao coração, já tenho cedido a beneplacito de uma espécie de sezão moral que me apouquenta.
Agradeço o empréstimo do livro.

10 de Julho de 1849.

Desponha do
De V. S.ª am[ig]o verdad[ei]ro
Camillo Castello Branco »
[Barbosa, 1919: 101-102. Também em Cabral, 1984 (I): 43]

          Observa, em rodapé, Xavier Barbosa, sobrinho dos irmãos Barbosa e Silva, que, face ao «tratamento cerimonioso» utilizado, «as relações entre Camilo e José Barbosa teriam começado pouco antes d’essa época, talvez nas ferias [grandes, suponho] imediatamente anteriores.» [Barbosa, 1919: 102]
Alexandre Cabral, por seu turno, depois de referir ser esta «porventura a primeira carta de Camilo para José Barbosa e Silva», cujo «autógrafo» terá, entretanto, «desaparecido», observa que o «tom da carta é presunçoso» e que «a assinatura vem por extenso, o que associado ao tratamento protocolar denota que o signatário queria ficar-se pelas normas cerimoniosas.» [Cabral, 1984 (I): 44]
De facto, as fórmulas de tratamento elevado, deferenciais de terceira pessoa, utilizadas por Camilo, desde a saudação à despedida, são de distanciamento cortês, considerando e, por isso, colocando o destinatário numa posição de superioridade. Tal, porém, pode ser resultado, por um lado, de se tratar de um registo epistolar, obviamente escrito, onde, por isso, as fórmulas de tratamento cortês eram (e são), em regra, mais formais e convencionais. Por outro lado, a carta é enviada para o Colégio da Formiga, onde José Barbosa e Silva era estudante.
Isto não invalida, por isso, que entre ambos não existisse, há já algum tempo, uma relativa amizade, fruto de algum convívio entre eles e outros seus amigos, como se depreende da troca do empréstimo de objetos (livro), de agradecimento por favores recebidos e da referência a amigos comuns. Convirá dizer que, logo na segunda carta, datável de janeiro de 1850, Camilo utiliza o tuteamento e formas de saudação e despedida corteses de proximidade e de relativa intimidade: «Meu caro José Barbosa» e «Teu do C[oração]».


          Camilo e José Barbosa e Silva conheceram-se, portanto, antes daquela data, se não em 1849, no ano anterior. Os seus primeiros encontros ter-se-ão verificado, muito provavelmente, num convívio de jovens, companheiros de boémia, no Porto, semelhante, ao que o escritor relata, logo no início, de A Mulher Fatal (1870, 1.ª ed.).
O autor-narrador recorda ter conhecido o protagonista da história, Carlos Pereira («pseudónimo», informa em rodapé), por apresentação, precisamente, de José Barbosa e Silva. Assim:

«Conheci Carlos Pereira em 1849.
Apresentara-m’o José Barbosa e Silva, no hotel francez da rua da Fabrica.
           Foi há vinte annos. Barbosa e Silva e elle eram alumnos do collegio da Formiga, nos arrabaldes do Porto. Barbosa estudava allemão. O outro, nada.
Lembram-me pormenores d’aquella noite de apresentação.
Estava também o Evaristo Basto, o principe dos folhetinistas d’aquelle tempo.
Estava José Maria Gonçalves, a satyra caustica, mas gentil e perfumada dos salões.
Estava mademoiselle Pauline, filha do dono do hotel, dama de trinta annos, espirito francez e materia não desattendivel sem os realces do espirito.
Estava, emfim, mademoiselle Marie Elesmine, mulher de quarenta e dois annos, que vigiava os trinta de Paulina, sua irmã.
O ar do meu quarto incommodava os hospedes. Eu tinha dez jarras de flores sobre uma estantinha de livros, sobre a banca de escripta, e á cabeceira do meu leito. Removi-as com amoroso respeito e escrupulo.
Era um lindo quarto o meu, lindo e rico de tantas porcelanas, e flores que vinham cada manhã d’uns hortos d’Armida onde as cultivava uma alma que as intendia, e com ellas fallava.
Vinte annos depois os olhos da minha saudade vão á rua da Fabrica, e procuram o hotel francez.
Era um palacio que ardeu ha quinze annos. No sitio d’elle está uma casa de azulejo, onde mora um tabellião, uma philarmonica, uma taverna, um carpinteiro e um basar.
O dono do hotel morreu.
Mademoiselle Marie afogou-se voluntariamente.
Mademoiselle Pauline mendiga nas ruas do Porto.
José Barbosa e Silva morreu ha trez annos.
Evaristo Basto morreu ha quatro.
José Maria Gonçalves morreu doido, ha dez.
A doce alma que colhia as flores já não vê reflorir primaveras os bolbos que ella semeou. Ha sete annos que, ao cahir da folhagem das suas acassias, por uma tarde fria de novembro, foi aquecer-se ao calor do céo, e não voltou.
Carlos Pereira morto é também.
Que admira! Foi ha vinte annos! Que longo espaço! Em vinte annos enfolha, inflora, frutea  e fenece uma geração.
Mas é pena! que todos contavam com tanta vida!
E alguns tinham pavor da velhice dos quarenta annos!» [Branco, s/d: 17-19]

Estela não foi a mulher fatal de Carlos Pereira. Essa foi outra, a sua quinta e final paixão. Cassilda Arcourt se chamava, formosíssima lisboeta afrancesada de nome, vida e comportamentos, que da capital de cá fugira, aos dezasseis anos, com o viajante francês Prosper Arcourt para a capital de lá. Por ela e para com ela viver, Carlos abandona Filomena, viúva das Beiras, com quem entretanto tinha casado e de quem tinha dois filhos. [Ao (re)ler-se o romance, cuidado com alguns anacronismos, habituais, como se sabe, no escritor.]

E mais não digo. O meu Amigo Camilo não consente que eu vá mais longe, no desfiar destes novelos de amores trágicos que ele, só ele, sabe contar. Como se sabe.

Não é só n’A Mulher Fatal, porém, que Camilo se refere explicitamente a José Barbosa e Silva. Em vários outros textos o faz, como em futuros posts mostrarei.

Antes, porém, cabe sintetizar o essencial da última carta (a não terem sido destruídas posteriores) enviada por Camilo a Luís Barbosa e Silva, a quem trata, na saudação, por «Meu Caro Luís B.» e, na despedida, se auto-refere por «teu velho amigo».
Enviada de Santo Tirso, onde Camilo se encontrava em tratamento, forçado pela doença e pelo médico, mas com poucas esperanças de restabelecimento, o escritor agradece ao amigo vianês as felicitações enviadas  pelo viscondado (visconde de Correia Botelho – «chimera que juntaram ao meu velho nome») com que fora, finalmente, agraciado, um mês antes, por decreto de 18 de Junho de 1885. [Barbosa, 1919: 96-97; Cabral, 1989: 224 e 1984 (II): 157].

Leituras:
BARBOSA, Luís Xavier, 1919: Cem Cartas de Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
BRANCO, Camillo Castello, s/d (2.ª ed.; a 1.ª é de 1870): A Mulher Fatal. Lisboa: Livraria Campos Júnior, Editor.
CABRAL, Alexandre, 1984 (I): Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva (vol. I). Lisboa: Horizonte.
----------, 1984 (II): Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva e com Sebastião de Sousa (vol. II). Lisboa: Horizonte.
----------, 1989: Dicionário de Camilo Castelo Branco. Lisboa: Caminho.

Notas finais:
1) Os retratos de José Barbosa e Silva e de Camilo são cópias disponíveis, respetivamente, AQUI e AQUI.
2) Nas transcrições e títulos de livros, foi respeitada a (orto)grafia das edições consultadas.


sábado, 9 de novembro de 2013

Camilo & Viana 003

Camilo e os irmãos Barbosa e Silva [02]


A segunda referência de natureza literária à cidade de Viana e aos amigos vianeses, deixou-a Camilo Castelo Branco também no álbum de José Barbosa e Silva, como se leu no post anterior. Em 1853, o escritor tinha vindo passar as festas da Páscoa a esta cidade, a convite e como hóspede dos abastados Barbosa e Silva.
Na Quinta-feira Santa daquele ano, ao pedido de um poema, Camilo correspondeu com um texto em prosa. Naquele dia, tocado certamente pelas cerimónias religiosas a que assistira, não conseguia – confessa – «arrancar do coração um poema de lagrimas», já que «a linguagem da dôr suprema é o silencio». Mas, passados dois ou três dias, escreveu, no álbum do amigo, estes versos:

«Á  ULTIMA  HORA

Bem sabes, amigo, que prisma d’encantos
Eu tinha, se em sonhos Vianna antevia!
O prisma era o modo de ver d’um poeta,
Que esconde na alma sentida poesia.

Com pranto nos olhos, Barbosa me viste,
Mendigo d’alivios, refugio buscar
Na terra, que eu vira tão linda sorrir-me,
Na terra, que encina a sentir e callar.

E a mão da amisade enchugou-me este pranto!
Barbosa, qual anjo me deste a bonança!
Bem sabes que grito de magua profunda
Fizeste callar com palavras d’esp’rança...

Amigos me deste dos muitos que tinhas
Amigos, que prendem, quaes outros não vi,
Que inspiram saudades, e crenças formosas
Na terna amisade, que eu levo daqui.

       28 de Março de 1853.
                                                                 Camillo Castello Branco(Barbosa, 1919: 73)

Camilo confessa ter encontrado, na amizade e no conforto dos amigos vianeses, o alívio da dor que, ultra-romanticamente, tinha sentido e expressado no texto em prosa. Mas que dor, que sofrimento, que abatimento moral?
O poema está datado de 28-03. Camilo regressou ao Porto, na madrugada de 29, onde chegou à noite de 30. E logo, em 31, escreve ao amigo vianês a seguinte carta:

«No primeiro dia dormi em Vila Nova; no segundo vim jantar ao Porto. Não me ressinto da jornada.
Na noute desse dia cingi a flébil cintura da valida, e vi[-]a estorcer-se em contorções amorosamente lúbricas, mas idealmente banidas dos prazeres dos Antonys, Josés Augustos, e quejandos vaporosos deste materialíssimo século.
Tenho-me visto em grande fadiga de arranjar o confortable doméstico. Procuro uma criada, que preencha as missões consignadas ao nosso cavaco – Espero-a breve, por que daí não podem vocês dispôr, do que não lhe chega para seu uso. Grandes marotos!
Vai ao correio, e atira-me para cá com uma carta, que lá deve estar em meu nome. Dá-me muitas saudades a teus irmãos, e aos nossos amigos, que me deram a liberdade de lhes dar este nome sinceramente do coração. Adeus, meu caro –
  Teu
Camilo
Porto 31.3.1853.» [Cabral, 1984 (I): 59.]

Xavier Barbosa transcreve desta, como de outras das Cem Cartas de Camillo que publicou, das muitas que possuía, apenas um fragmento, o último parágrafo, neste caso. O sobrinho dos Barbosa e Silva, confesso admirador do romancista, evitava, assim, revelar inconfidências, como justifica no «proemio».
Quem seria a tal valida a quem Camilo cingiu a flébil cintura, na noite em que pernoitou em Famalicão, e que viu estorcer-se em contorções amorosamente lúbricas?
O destinatário da carta, seu íntimo e confidente amigo, sabia muito bem a quem o autor se referia. E nós, hoje, também sabemos. Lá se foi a profecia de ser monge, escrita no álbum do amigo, no final do texto da Quinta-feira Santa.


Camilo assistiu em Viana, como se leu, às cerimónias da Semana Santa. Confessou ter ficado intimamente emocionado, segundo lavrou no álbum, sobretudo com as «Lamentacoens dos anjos do claustro», cantadas por «aquellas vozes moduladas por labios que nunca tocaram o fel da taça mundana». Referia-se aos «cantos sagrados entoados pelas freiras no templo das Carmelitas», indica Luís Xavier Barbosa (1919: 71). Que Carmelitas e que templo?
Em meados do século XIX, havia ainda abertos em Viana dois conventos franciscanos femininos de carmelitas. Um situava-se onde atualmente se encontra o Seminário das Missões do Espírito Santo e a Igreja das Ursulinas (Fig. 02). O outro situava-se onde está instalado o Lar de Santa Teresa e a Igreja de Nossa Senhora de Fátima (Fig. 01).
O primeiro – Convento, sob a Regra de Santo Agostinho – foi fundado, «por carta régia de 8-3-1778, obtida pela Câmara Municipal de Viana». Nele funcionava, desde essa data, «o “Colégio de Nossa Senhora das Chagas”, dirigido por religiosas das Ursulinas, com pensionato e externato para as raparigas da classe burguesa». (Fernandes, 1990: 102)
O segundo – Mosteiro do Desterro [de Jesus, Maria e José] – foi o último a ser fundado em Viana, no ano de 1780. Ocupava, então, uma área muito mais vasta, compreendendo os terrenos onde hoje se encontram a Escola E-B 2,3 de Frei Bartolomeu dos Mártires e a Escola Secundária de Santa Maria Maior, além de outros. Isabel Pinho fez a história do Mosteiro do Desterro de Viana do Castelo e resume a sua origem e a vocação franciscana da ordem religiosa, nos seguintes termos:

«Num tempo de progresso científico opôs uma fé incondicional, uma crença essencialmente espiritual traduzida no despojamento, simplicidade e austeridade de formas. A grandiosidade volumétrica espanta enquanto convida à elevação, ao louvor e ao recolhimento interior, como um espelho da fundadora da Ordem Carmelita [Santa Úrsula].» [Pinho, 2009: 319]

Foi, certamente, neste mosteiro que Camilo ouviu aquelas lamentações que tão profundamente o comoveram e na sua memória permaneceram. Com efeito, quatro anos depois, em carta a José Barbosa e Silva (03-02-1857), depois de referir que estava «escrevendo artigos para a Aurora [do Lima]» e de dar indicações sobre outros que já tinha enviado, desabafa:

«Estou morto por sair daqui [Porto]. Nunca passei tão mal de corpo e alma! Havemos de ir ao nosso templo das Carmelitas ouvir os hinos da Paixão. Que saudades, e que poesia me faz a esperança! Os meus enlevos já se não prendem a outras inspirações. Sou no íntimo da alma religioso; mas de cabeça um homem do mundo e do século.» [Cabral, 1984 (I): 145. Também em Barbosa, 1919: 35]

Camilo, por esta data, preparava, com o amigo José Barbosa e Silva, a sua vinda para Viana, a fim de se dedicar, por inteiro e antecipadamente bem pago, à redação d’A Aurora do Lima. Chegou a Viana, na tarde de 07-04-1857, com regresso abrupto ao Porto, na manhã de 28-05. Porquê?
Hei de voltar a esta interrogação e à presença de Camilo em Viana, quando abordar a colaboração que o escritor manteve com A Aurora do Lima. Mas talvez valha a pena recordar a carta que o escritor escreveu a Luís Barbosa e Silva, a 27-05. Nela encontrar-se-á, antes da saudação final, (um)a resposta:

«MEU CARO LUIZ B.

Recebe o meu saudoso adeus.
Parto n’esta semana p[ar]a o Porto.
Ali me tens ancioso das tuas ordens.
Não pude vencer a saudade, picada pelas incommodid[ad]es em q[ue] vivo aqui. Isto ainda não está para mim, meu caro Luiz. O coração, ou o habito podem muito.
Adeus.
                                Teu do c[oração].
                           Camillo Castello Brc.º.» [Barbosa, 1919: 47. Também em Cabral, 1984 (II): 130]

Não era, evidentemente, apenas o José Barbosa e Silva que sabia dos poderes que o coração ou o hábito tinham, naqueles anos, sobre a “clandestina” vida afetiva e sentimental de Camilo. O irmão Luís, da mesma idade do escritor, também devia estar a par do que se passava, entre ele e ela.

Leituras:

BARBOSA, Luís Xavier, 1919: Cem Cartas de Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
CABRAL, Alexandre, 1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva (vol. I). Lisboa: Horizonte.
----------, 1984a: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva e com Sebastião de Sousa (vol. II). Lisboa: Horizonte.
FERNANDES, Francisco José Carneiro, 1990: Viana Monumental e Artística. Espaço urbano e património de Viana do Castelo. Viana do Castelo: Edição do Grupo Desportivo e Cultural dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, E.P.
PINHO, Isabel M. R. Tavares de, 2009: «As Carmelitas do Desterro de Viana do Castelo», AQUI.

Notal final
- Nas transcrições e títulos de livros, foi respeitada a (orto)grafia das edições consultadas.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Camilo & Viana 002


Nota – Este post recebe a numeração indicada, porque “Camilo
            fez 188 anos” deve ser considerado Camilo & Viana 001.


Camilo e os irmãos Barbosa e Silva [01]


     As primeiras referências literárias de Camilo Castelo Branco (1825-1890) a Viana do Castelo datam de 1853. São dois pequenos textos – um em prosa e outro em verso – que o escritor deixou no álbum pessoal de José Barbosa e Silva (1828-1865), seu íntimo e confidente amigo vianês.

      Camilo viera passar a Semana Santa daquele ano nesta cidade, a convite do amigo, com o beneplácito, certamente, dos irmãos, todos eles mais velhos, Mateus José (1821-1882), Maria Cândida (1822-1908), António (1823-1866) e Luís (1825-1892). Durante esta sua primeira estada em Viana, Camilo deve ter convivido também com outros amigos vianeses, filhos, uns e outros, de famílias abastadas.

    Camilo e José conheceram-se, em 1849, no Colégio da Formiga (Maia-Porto), onde o jovem Barbosa e Silva estudava alemão. A partir deste ano, a amizade entre ambos foi-se desenvolvendo e aprofundando, numa relação afetiva quase fraternal, com interesses e cumplicidades mútuas. Além de outros testemunhos escritos, as cartas que o escritor enviou a José (cerca de 200) e a Luís Barbosa e Silva (25), mostram, claramente, quão fortes eram os laços que os uniam. Consultem-se os dois volumes Correspondência de Camilo Castelo Branco com os irmãos Barbosa e Silva (I), e […] e com Sebastião de Sousa (II), publicados, em 1984, por Alexandre Cabral. E a coletânea Cem Cartas de Camilo, coordenadas e anotadas por Luís Xavier Barbosa, editada em 1919.


Xavier Barbosa (1849-1925) era descendente dos Barbosa e Silva, pelo lado materno. A mãe, Maria Cândida, era irmã dos Barbosa e Silva. Xavier Barbosa, embora vivesse em Caminha, onde nascera, vinha passar férias, em criança, a casa dos tios vianeses. E aqui chegou a ver e conhecer o escritor. Logo no início do «proemio», conta, em terceira pessoa, o «coordenador das cartas» que,

«Em 1857, com pouco mais de 7 annos, estava accidentalmente em Vianna do Castello; e ainda se lembra de, ahi, ter visto um homem alto e feio, picado das bexigas, de bigode hirsuto, transitar pausadamente pelas ruas da cidade, parecendo ser figura de prestigio, pela firmesa da marcha e pelo aprumo do porte; e, de feito, os que com elle se cruzavam, não resistiam a voltarem-se e a olharem-n'o com persistente curiosidade.» [As páginas do «proemio» não se encontram numeradas.]

É neste volume das Cem Cartas de Camilo que se encontram os textos camilianos acima referidos e que Camilo deixou escritos no álbum de José Barbosa e Silva. Apresentarei, neste post, o texto em prosa, segu(i)ndo a transcrição de Luís Xavier Barbosa (1919: 69-70). No próximo “Camilo & Viana 003”, apresentarei o poema.

«“Pedis-te-me uma poesia no teu album. Não posso, amigo, e tu não duvidas que não posso. Pedir ao coração concentrado n'uma agonia surda, um hymno festival, é dizer aos labios d'um cadaver, que se descerrem, e chamem, uma por uma, as illusões da vida, q[ue] o abandonaram no leito da morte.
Tu sabes que eu soffro m[ui]to; e a linguagem da dôr suprema é o silencio. Não creias nas angustias que os poetas te contam. Não creias nas m[inh]as que eu também não creio nas tuas.
Na minha vida, não é esta a primeira vez que tento embalde arrancar do coração um poema de lagrimas. Como Job, o typo sublime da mortificação, eu, quando soffro, interrogo Deus audaciosam[en]te, pesso-lhe a causa das m[inh]as turturas; mas pesso-lha gemendo e chorando no intimo silencio de abatimento moral.
E não posso – a um amigo como tu, a um anjo de consolações como tens sido p[a]ra mim – não posso, Barbosa, revelar o inferno, q[eu] sinto aqui neste coração fadado para o infinito dos supplicios.
Recolhi-me á solidão do meu quarto, quando me convidavas para uma reunião d'amigos teus, que deviam distrahir-me da prostração profunda em q[eu] me deixaste. Não podiam conseguil-o. Eu sei q[eu] é estéril a palavra do homem, e impotente a consolação do amigo.
Aquellas  Lamentaçoens  dos anjos do claustro – aquellas elegias choradas no tumulo de Christo – aquellas vozes moduladas por labios que nunca tocaram o fel da taça mundana, accordaram-me no espirito um desejo de abandonar o corpo, um sabor anticipado da morte, um enojo de mim próprio, que nunca eu saberei explicar. E, desde esse momento, sinto-me m[ai]s infeliz que nunca...
 Barbosa! Deixa-me escrever-te uma profecia no teu album: – Irás abraçar, um dia, um monge á portaria do Claustro, e não poderás dar-lhe o nome, que lhe deste, no mundo, quando lhe chamavas

 Camillo Castello-Branco

       5.ª feira da Semana sancta –
                 Vianna – 1853 »


Notas finais
1) Nas transcrições, foi respeitada a (orto)grafia das edições consultadas.
2) Em Vasconcelos, 1991 e 1999, os textos são ilustrados com fotografias de Camilo, dos irmãos Barbosa e Silva, Ana Plácido e Luís Xavier Barbosa, entre outras.
3) O desenho do rosto de Luís Xavier Barbosa encontra-se em ARAÚJO, 1990: 27.

Leituras
ARAÚJO, José Rosa de, 1990: Queimei cartas de Camilo. Viana do Castelo. Câmara Municipal de Viana do Castelo. O título é frase atribuída a Luís Xavier Barbosa.
BARBOSA, Luís Xavier, 1919: Cem Cartas de Camilo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
CABRAL, Alexandre, 1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva (vol. I). Lisboa: Horizonte.
----------, 1984a: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva e com Sebastião de Sousa (vol. II). Lisboa: Horizonte.
VASCONCELOS, Maria Emília Sena de, 1991: «Os Barbosa e Silva, de Viana, e Camilo». Cadernos Vianenses. Tomo XV. Viana do Castelo: Câmara Municipal de Viana do Castelo; pp. 111-127. Acessível também AQUI.
----------, 1999: «Velhos vultos de Viana». Cadernos Vianenses, Tomo XXV. Viana do Castelo: Câmara Municipal de Viana do Castelo; pp. 45-54. Acessível também AQUI.