quarta-feira, 29 de janeiro de 2014
terça-feira, 28 de janeiro de 2014
Viana & Camilo 009
Camilo e os irmãos Barbosa e Silva [08]
No
ano de 1852, a não se terem perdido ou destruído outras, Camilo escreveu apenas
duas cartas a José Barbosa e Silva: uma datável de 16-I e outra de 25-IV.
Camilo não costumava datar a correspondência. Os dias indicados são, no
primeiro caso, do carimbo do correio e, no segundo, datação que Alexandre
Cabral encontrou no manuscrito, embora julgue «não ser do punho de Camilo.»
[Cabral, 1984 (I): 58]. Xavier Barbosa, que não inclui a primeira em Cem Cartas de Camillo, data a segunda de
22-IV. [Cf. Barbosa, 1919: 106]
Nestas
cartas, o escritor volta a incentivar o amigo de Viana à escrita e a apoiá-lo
nas suas iniciativas ou projetos neste domínio, sem desfalecimento nem olhar a males de inveja.
Já
me referi, brevemente, à primeira carta, ao abordar a penúria em que viveria Camilo, sobretudo na primeira metade da
década de 1850. É a parte final da carta, que por isso, ora não reproduzo. [Ver
Camilo
& Viana 005]
Ela, porém, começa assim (omito a saudação inicial):
«Suspendeste já essa bela estreia
folhetinística? Calou-se a inspiração do Minho no coração fecundo de seu filho?
Não posso crer, que eu sei o que são essas delícias, e o que pode a tua alma,
cheia de poesia, e reservada até hoje para muito sentir e fazer sentir.» [Cabral, 1984
(I): 56]
Camilo,
na última carta de 1851 (14-XI), incentivava o seu, então, grande amigo de
Viana a que comunicasse ao público as impressões que deveria ter trazido de Inglaterra, de onde teria
chegado com o coração a
transbordar de inspirações. [Ver Camilo &
Viana 008] Muito provavelmente, não é em relação à publicação dessas possíveis impressões que Camilo se refere nesta
primeira carta de 52. Para tal, o amigo não precisaria de se inspirar nas delícias do Minho.
Barbosa e Silva não deve ter publicado qualquer folhetim sobre a sua deslocação
a Londres. Assim sendo, o mais certo é ele ter suspendido a publicação de Cenas Contemporâneas da Vida Íntima de
Lisboa / Os Bailes, que vinha publicando n’O Nacional. (Ver idem e/ou Cabral, 1984 (I): 51-53). Mas
também poderá estar a referir-se a textos que, sob o título de «Revista de
Viana», Barbosa e Silva tinha começado a publicar no mesmo jornal, «desde o
começo do ano, pelo menos», como a seguir se lerá. [Cabral, 1984 (I): 58]
Barbosa e Silva não escreveria com a
facilidade nem com a abundância de Camilo. A escrita não seria a sua primeira
vocação. A política e a diplomacia, no seio do partido progressista, constituiriam,
certamente, os seus objetivos de vida. Recorde-se que o benjamim dos Barbosa e
Silva fora à Exposição de Londres, como se viu, em representação oficial de Portugal. Depois, foi adido de Portugal em
Paris e por três vezes sucessivas deputado às Cortes, por Viana. Foi ainda
nomeado representante de Portugal em Istambul, mas não chegou a ocupar o cargo.
Faleceu, de tísica mesentérica, em 1865. [Cf.
Vasconcelos, 1999: 46-47]
A fotografia de Camilo tem a data de 1857.O ano de nascimento está errado: não é 1826, mas 1825. O próprio escritor, durante largo tempo, indicou o primeiro ano. Mas sabe-se como ele errava frequentemente as contas.
Tenho vindo a referir-me às relações amigáveis entre Camilo e José Barbosa
e Silva, centradas sobretudo na atividade da escrita, jornalística e/ou
literária. Releva, nesta carta, a crença de Camilo na capacidade poética do
amigo vianês. Tal sentimento há de repeti-lo em cartas futuras e outros
escritos, como a seu tempo se verá/lerá. Barbosa e Silva era para Camilo
essencialmente poeta.
Idêntico sentimento de esperança nos dotes literários de José Barbosa e
Silva se encontra na segunda carta de 1852, sem contudo a transcrever na
íntegra, por a parte final não dizer respeito à escrita do amigo. (Omito
saudação inicial.)
«Avaliei os teus
desgostos, quando li a tua ultima revista.
Quando te forçaram a tanto, m[ui]to fel te vertêram no coração! Ha um dito popular,
que é uma consoladora maxima para um escriptor – antes mal de inveja q[ue] mal de piedade. Terras pequenas tem no
seu pequeno espaço quanto ridiculo abrangem os muros de Pariz. Deus nos livre
das socied[ad]es de soalheiro, que discutem na loja do mercador a vida do
homem, como uma tribu d’arabes ociosos discutem o andam[en]to da lua, q[ue]
eles la chamam fingari. Continua, menos colérico, por q[ue] o desprezo é a
melhor coroa do teu triunfo.
Eu cuidei q[ue] o Ecco do Lima não era cousa tua. Se, contra os teus
receios, o fizeres sahir do prelo, terei m[ui]ta honra em ser uma vez p[o]r
outra la admittido.
O prospecto, q[ue] me mandas, vou dar-lhe a vida errante q[ue] eu não posso
ter com ele. Vivo m[ui]to retirado: caza e aula e convento – não tenho outra
vida.» [Barbosa,
1919: 105-106. Também em Cabral, 1984 (I): 58-59]
[No final desta
carta, Camilo volta a referir-se a José Augusto Pinto de Magalhães e à sua
paixão por Fanny Owen, de que me ocuparei, oportunamente, a propósito de outros
textos camilianos, que não de epistolografia propriamente dita. Refere-se
também a um tal Lopes Cabral, de quem já disse o principal, em Camilo & Viana 005.]
Só a leitura da «última revista»,
escrita por Barbosa e Silva, já que as cartas que dirigiu a Camilo foram
destruídas, poderá ajudar a compreender o
mal de inveja sofrido e sentido. Ter-se-á tratado, segundo a carta, de inveja em domínios do literário. Falta
saber porquê, com base em quê e para quê. Terá sido pura maledicência política,
de algum adversário regenerador? Só
depois de consultar e analisar os textos do progressista
Barbosa e Silva, que espero reunir, se poderá saber.
Camilo mostra a sua solidariedade para com o amigo e consola-o, acreditando
no seu triunfo sobre/contra as cabaneirices (a palavra é minha) ou
coscuvilhices típicas dos meios pequenos.
«Eco do Lima» seria, muito possivelmente, o título para jornal em que
Barbosa e Silva andaria a pensar, antes de optar pelo de Aurora do Lima, como se sabe e de que depois falarei. O «prospecto»
enviado deveria destinar-se a angariar assinaturas para o tal Eco, onde Camilo manifesta estar
disposto a colaborar, uma vez por outra.
Procurei em Publicações Periódicas
Vianenses, excelente livro, a todos os títulos, de Rui A. Faria Viana e
António José Barroso, referência sobre a existência daquele título em Viana do
Castelo e não encontrei. O mais próximo que aí se encontra referido é Echo do Povo, publicado entre 1877 e
1879. E depois dele, outros Ecos
houve, com maior ou menor duração.[Cf.
Viana & Barroso, 2009: 202-215] Eco
do Lima foi, saiba-se já agora, título de jornal que se editou em Ponte de
Lima, entre 1866 e 1882, e encontra-se acessível online, aqui.
O comentário de Camilo a respeito do
prospeto não deixa de ser
interessante, ao confessar que não tem «vida errante», pois vive «muito
retirado: casa e aula e convento». Perguntar-se-á: aula, que aula? No
seminário, onde se tinha voltado a inscrever em 1851? E o convento? Será convento usado aqui como sinónimo de seminário? Mas
é também possível que Camilo esteja a referir-se à casa religiosa (Convento de
S. Bento da Ave-Maria) onde se encontrava Isabel Cândida Vaz Mourão, «que
manteve com Camilo uma prolongada relação amorosa. Conheceram-se no outeiro* de
1850, ao regressar de Lisboa.» Consta que se tratava de uma freira «feia», mas,
em contrapartida, «culta e rica», tendo dedicado a Camilo «uma afeição
duradoira.» [Cabral, 1989: 427-428]
{* Outeiros
ou abadessados eram «festivais de
arte e culinária, que duravam em regra três dias», organizados «por altura da
(re)eleição das abadessas dos respectivos mosteiros» e a que «concorriam os
poetas mais prestigiados de mistura com os novatos. […] / Camilo frequentou,
com assiduidade e durante um largo período, os “outeiros”, de extraordinária
ostentação e brilhantismo.» [Cabral, 1989: 13]}
Hei de voltar a referir-me a esta soror
Isabel Cândida em post(s) futuro(s).
Continuarei, no próximo, a tratar das relações entre Camilo e os Barbosa e
Silva, tendo como principal corpus a
correspondência enviada pelo primeiro aos segundos e, em particular, ao
benjamim da família. José Barbosa e Silva foi o único dos irmãos que se
interessou por questões da escrita, jornalística e literária.
Leituras:
BARBOSA, Luís Xavier, 1919: Cem Cartas de
Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
CABRAL, Alexandre, 1984: Correspondência de
Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva (vol. I). Lisboa:
Horizonte.
----------, 1989: Dicionário
de Camilo Castelo Branco. Lisboa: Caminho (2.ª ed.: 2003).
VASCONCELOS,
Maria Emília Sena de, 1999:
«Velhos vultos de Viana». Cadernos
Vianenses, Tomo XXV. Viana do Castelo: Câmara Municipal de Viana do
Castelo; pp. 45-54.
VIANA, Rui A. Faria & Barroso, António José, 2009: Publicações Periódicas Vianenses. Viana
do Castelo: Câmara Municipal.
quarta-feira, 22 de janeiro de 2014
segunda-feira, 20 de janeiro de 2014
haVer o mar 009
009 - «Scolymus hispanicus»
Nota - Todas estas fotografias foram obtidas a norte da cidade Viana do Castelo, na orla costeira (areais e/ou dunas e/ou seixais e/ou terrenos) da freguesia de Areosa. Em meses de primavera e sobretudo de verão, evidentemente.
terça-feira, 14 de janeiro de 2014
Viana & Camilo 008
Camilo e os irmãos Barbosa e Silva [07]
A
amizade entre Camilo Castelo Branco e José Barbosa e Silva foi-se estreitando,
como já referi em post anterior, ao
longo dos anos. Nem sempre, porém, com a mesma intensidade. Aos pedidos de
socorro nas aflições económicas, sobretudo durante o ano de 1950, e para o
financiamento (e compra, em parte) da primeira edição de Um Livro (1854), Camilo foi correspondendo com palavras amáveis de
reconhecimento e gratidão, mas também com apoios e incentivos às incipientes produções
literárias do amigo de Viana. Aliás, também Camilo, no início das suas relações
com o Barbosa e Silva, ainda não gozava do nome que depois veio a alcançar,
com justiça, na literatura portuguesa. Então, não passaria de um “jornalista
literário” e de um aspirante a poeta, mais conhecido pela sua vida noturna de
boémio, de romântico aventureiro e extravagante.
Camilo
publicou e/ou apadrinhou, todavia, os «primeiro balbuceios poéticos» de José
Barbosa e Silva, em vários jornais, conforme se mostra no quadro seguinte, segundo
regista Alexandre Cabral [1984 (I): 35]:
Poema
|
Data
(Mês, Ano)
|
Jornal
|
||
Título
|
N.º
|
Páginas
|
||
Um
Adeus de Amigo
|
Junho,
1850
|
A Semana1
|
24
|
191-192
|
Não
Chores
|
»
|
»
|
25
|
200
|
Saudades…
|
»
|
»
|
29
|
231-232
|
No
Álbum do meu Prezado Amigo
J.
A. Pinto de Magalhães
|
Agosto,
1850
|
»
|
31
|
248
|
O
meu repouso
|
Setembro,
1850
|
»
|
35
|
279-280
|
Que
me queres?
|
Outubro,
1850
|
»
|
41
|
382
|
A
minha crença
|
Maio, 1853
|
A Cruz2
|
19
|
Sem
indicação
|
A
uma cruz
|
Julho, 1853
|
»
|
30
|
Sem
indicação
|
1
A Semana foi um jornal de
Lisboa que começou a ser publicado em janeiro de 1850. Camilo foi um dos seus principais colaboradores, com textos em prosa e verso, sobretudo durante o ano de 1850.
Foi nele que veio a público, em folhetins e também em separata, parte do
primeiro romance, Anátema, depois. Em volume, no Porto, no ano de 1851. Neste ano, António da Silva Túlio assume o cargo de
diretor de A Semana e Camilo deixa de
figurar nas colunas do jornal. Entre ambos, gerou-se acesa polémica, com ataques
e contra-ataques, no mesmo semanário. [Cf.
Cabral, 1989: 594-5 e 32; 1981 (II): 101-112 e Barbosa, 1919: 103-4149-157]
2
A Cruz foi um «semanário religioso», de
que Camilo foi redator, juntamente com Augusto Soromenho. O primeiro número
saiu em 08-01-53. Observa Cabral que, neste periódico, se encontram poesias de
José Barbosa e Silva, «com apresentação do romancista.» [Cabral, 1989: 225]
Camilo
nunca faltou, por outro lado, com estímulos ao amigo, para que escrevesse e
publicasse. Ao mesmo tempo, seguia-lhe, com interesse e atenção, os textos que ele ia publicando, entretanto, noutros periódicos.
Vejamos
como este interesse se manifesta na correspondência que Camilo escreveu ao
benjamim dos Barbosa e Silva, ao longo do ano de 1851.
Em
carta de 16-III, primeira deste ano, escreve, depois de se queixar que tem
«apenas um symptoma» da existência do amigo – «os teus escritos»:
«Eu
admiro o teu ultimo folhetim – Não te perdõo o mysterio do nome. Divulguei-o, p[o]r
que havia interesse em conhecel-o. Tenho pena, porem, q[ue] escrevas no N[acional]
onde actualmente rabiscam graves pulhas. Se quizesses escrever nos folhetins do
Jornal do P[ovo] – p[o]r ventura o
unico soffrivel d’aquelle nome,
deverias enviar-me os manuscriptos. O teu passeio á Italia em q[ue] ficou? Matou-te a preguiça as inspiraçoens?» [Barbosa, 1919:
102-3. Também em Cabral, 1984 (I): 50 e 51]
Pressente-se,
nesta carta, ter havido um esfriamento na amizade entre ambos. O silêncio de Barbosa
e Silva não se deverá apenas à viagem pela Europa. Talvez pretendesse também um
relativo afastamento de Camilo. Recorde-se que, até à data desta, das 10 cartas
enviadas ao amigo de Viana, em seis (pelo menos) pedia-lhe dinheiro (ver Camilo & Viana 005). Repare-se, ainda, como termina
a carta: «Se me responderes, serei depois mais massador, queres?» Se me responderes… mais massador… É provável que Barbosa e Silva não estivesse mais
disposto a ser «cravado» por Camilo, gastador compulsivo, ao que parece.
É o
escritor, por isso, que toma a iniciativa da reaproximação. Sabe da chegada de
Barbosa e Silva apenas pelos escritos que o amigo publicava n’O Nacional, jornal portuense onde Camilo
também assinava folhetins. Fora,
aliás, um dos seus colaboradores mais regulares e durante mais tempo, «apesar
de “arrufos” ocasionais» [Cabral, 1989: 436], devido, certamente, aos tais pulhas que nele rabiscavam. Camilo escrevia,
ao mesmo tempo, no Jornal do Povo, outro
periódico portuense, mas de tendência política («cartista»), adversária da
tendência («liberal/progressista») d’O
Nacional. Compreende-se, por isso, que o jornalista Camilo assinasse seus
folhetins, no Jornal do Povo, «usando
quase sempre pseudónimos». Dois deles foram Anastácio
das Lombrigas e Anacleto dos Coentros.
[Cabral, 1989: 340]
Retomando
as relações entre Camilo e Barbosa e Silva, verifica-se que a frieza deu lugar,
com a reaproximação, a manifestações de felicidade e reconhecimento, bem
patente logo no início da carta seguinte, datada do Porto, 20-IV-1851.
«Meu
caro Barbosa
Não te direi por que não posso o prazer que da tua carta
senti. Basta dizer-te – que a tua imagem para mim é alguma cousa superior às
cousas do mundo – És um ideal de amizade e de protecção para CCB –
Quem me disse que os artigos eram teus – foi um destes
palpites literários que nunca me
mentem. Adivinhei. Depois o Basto confirmou. Não se poderá saber quem é a Violeta!? É um ente de imaginação… um
sonho… uma evaporação da tua alma tão poeta!? Diz [.]
/ […]» {Cabral, 1984 (I): 52-53. Não consta em Barbosa, 1919. Barbosa
e Silva respondeu à carta de 16/03 de Camilo, no dia 30 do mesmo mês, de
Lisboa, onde continuava a viver. Camilo havia já regressado ao Porto. Ambos
tinham vivido e convivido na capital, durante largos meses, em 1850. «Camilo na
labuta das letras e José Barbosa a flanar pelos meios aristocratizantes».
[Cabral, 1984 (I): 35]}
Alexandre
Cabral é de opinião que o «folhetim» e/ou «artigos» de José Barbosa e Silva, a
que se refere Camilo, nestas duas cartas, dizem respeito ao romance «Cenas Contemporâneas da vida íntima de Lisboa / Os Bailes», «em
curso de publicação n’O Nacional», da
autoria de Barbosa e Silva, apesar de publicado «sem qualquer assinatura».
[1984 (I): 52]
Foi a «referência
à Violeta [na carta de 20-IV-51] –
comenta depois Cabral – que nos elucidou quanto à autoria das Cenas contemporâneas da vida íntima de
Lisboa / Os Bailes […]. De facto, Violeta é uma personagem do romance. No
capítulo VII (O Nacional, n.º 76, de
2/IV/1851), há esta passagem: / “Entretanto Violeta me contemplava com a força
da desesperação; havia já duas horas que eu a castigava impiamente com uma
indiferença insultante!”» [Cabral, 1984 (I): 53]
Na carta
seguinte, datada do Porto, 17/V/51, Camilo não se refere à atividade literária
do amigo de Viana. Envia-lhe, todavia, oito exemplares do livro Inspiraçoens, para que o distribua, «a
fim de que algum teu amigo diga alguma cousa bem ou mal. Como estás amigo com os litteratos
da Semana lembro-te estes.» [Barbosa,
1919: 1033. Esta
carta encontra-se também em Cabral, 1984 (I): 54. Este investigador, porém, transcreve
uma «NB», omissa pelo sobrinho de Barbosa e Silva, Luís Xavier Barbosa, nas Cem Cartas de Camilo (1919). Nela,
Camilo pede ao amigo vianês uma receção condigna para Rodriguez de Fuentes,
«filho do cônsul espanhol» e «portador» da carta. Referir-me-ei a este
cavalheiro, em post(s) futuro(s),
quando abordar textos (duas narrativas), em que Camilo se refere aos trágicos
amores do casal Fanny Owen / José Augusto Pinto de Magalhães, onde se encontram
referidos José Barbosa e Silva, num, como interlocutor, e, noutro, Viana do
Castelo.]
E Inspiraçoens, que livro é?
É uma
coletânea de poemas. Vinte e seis, seguidos de um «Protesto», em prosa. Publicado
em 1851, o livro é composto, na totalidade, por poemas que Camilo tinha já dado
a lume em vários jornais, incluindo em A Semana. E, em 1854,
voltou a incluí-los, à exceção de «Tentação», na edição de Duas Ephocas na Vida (rosto; na capa está da Vida). Dois destes poemas – «As lamentações de Jeremias» e «O
templo» – voltou a publicá-los, anos depois, n’A Aurora do Lima. O primeiro no n.º 195, de 08/IV/57; o segundo no
n.º 341, de 31/III/58. Referir-me-ei, a estes dois poemas, com maior e melhor
atenção, quando tratar da colaboração de Camilo n’A Aurora do Lima.
Em Inspirações, os dois referidos poemas
encontram-se nas páginas 56 a 63 e, em Duas
Épocas na Vida, nas páginas 174 a 182. Neste último livro, Camilo não
apresenta prefácio nem posfácio, dividindo-o, porém, em duas partes distintas:
«Preceitos do Coração» (pp. 1-126) e «Preceitos da Consciência» (129-243), que
depois, em 1865, saíram em edições autónomas. Também em Duas Épocas o autor reúne poemas já publicados em periódicos.
Inspirações é constituído por um conjunto de
«trovas», onde, segundo o próprio autor confessa no «Protesto», um «mesmo
pensamento» as percorre e domina: «a desgraça
moral – o desgosto profundo, o peso da vida.» Prevenindo-se, entretanto, contra
o eventual silêncio da crítica, escreve:
«Se ámanhã
me disserem que nada prestam estas paginas copiadas da minha alma – esta revellação
confusa dos meus insondaveis mysterios – eu não maldigo o meu livro nem choro
morta alguma das minhas desvanecidas esperanças. / Nada espero d’aqui. / Bem
longe d’estrear-me para melhor fortuna em novos versos, eu protesto e juro ao
leitor, sob a mais sancta das minhas crenças no céo – já que d’outras não tenho
– que não verá já mais poesia minha. / A crytica deve levar-me em saldo de
conta este serio juramento, se em má hora vier, armada d’armas negras, pôr-me
fóra do glorioso torneio dos poetas. / Fóra já eu estou, e parece-me que estava
há muito.»
E
termina, protestando com estas
palavras:
«Estas
minhas inspirações gemiam agonisantes no seu trespasse para o silencio, que é a
morte do poeta. / Morreram, e eu morri com ellas.» [Branco, 1851: 131-2]
Como
sabemos (ver Camilo & Viana 007), independentemente da boa ou má receção de Inspirações
pelos críticos, Camilo nunca deixou de poetar, até ao fim da vida. Juras e protestos vãos. Quem há de acreditar nestes incorrigíveis fingidores, Fernando Pessoas?...
Há uma
questão que aqui se deve pôr: por que raio havia Camilo de pedir ao amigo de
Viana uma "cunha" junto dos «litteratos da Semana»,
para que eles falassem, bem ou mal,
de Inspirações? Quando se sabe que o
escritor tinha sido, «durante o ano de 1850, o principal redactor» do semanário.
[Cabral, 1981 (II): 101] Mais: quando se sabe que, em A Semana, além de parte do Anátema, como vimos, tinha publicado
também várias poesias, incluídas agora no volume.
Xavier
Barbosa é de opinião que «ponderadas […] as contrariedades que sobrevieram» à
estreita da publicação de Anátema, «salientando-se
Silva Túlio, que em 1851 dirigia a Semana, pela forma aggressiva e violenta com que em
successivos artigos do 2.° vol. da revista (pag.s 311, 312, 340 e 350) flagellou
o novel romancista», Camillo viu «conveniência» em «remetter os exemplares das
suas Inspirações por intermédio de José Barbosa». [Barbosa,
1919, nota 2: 103-4. Os textos desta polémica e sua contextualização encontram-se
em Cabral, 1981 (II): 101-112]
A última
carta que, em 1851, datável de 13/XI, Camilo escreveu ao seu dileto amigo vianês é a seguinte (omite-se saudação inicial):
«[…] // Parabens
pela tua feliz chegada aos braços de tua fam[íli]a. Deves trazer o coração a
transbordar d’inspiraçoens, e não prives o publico do m[ui]to que pódes communicar-lhe
de tuas impressoens. Felicito-te pelo honroso encargo, que tens. É pena q[ue] estejas ligado a estes inimigos
de Portugal, mas pódes, sem incorrer nos defeitos britanicos, utilisar m[ui]to
á tua patria, e desempenhar, como espero, as missões q[ue] te couberem.
Estudo Theologia – e no S. Lazaro tenciono tomar subdiácono.
Aqui tens a m[inh]a vida em duas linhas. Fujo de recordar o passado, e pesso a
D[eu]s coragem para me considerar um homem diverso, mas sempre obrig[adíssi]mo
am[ig]o // C. C. Br.co» [Barbosa, 1919: 104.
Também em Cabral, 1984 (I): 55]
José
Barbosa e Silva – informa o sobrinho Luís Xavier – regressara «da visita que
fez á exposição de Londres.» [Barbosa, 1919, nota3: 104] Camilo, sabendo do
regresso do amigo, possivelmente através da imprensa, incentiva-o a que comunique ao público as impressões que traz de Inglaterra, de
onde teria chegado com o coração a
transbordar de inspirações. Se o fez, é capaz de ter acontecido, mas
isso ficará para a correspondência que Camilo enviou ao seu amigo de Viana, em
1852.
Quanto
ao desgosto da ligação de Barbosa e Silva aos ingleses, ainda não encontrei
motivo para Camilo os considerar «inimigos de Portugal». Quanto à nova
tentativa de ser padre, deu naquilo que só podia dar – vocação falhada – porque outras tentações mais poderosas atraíam este homem inquieto, de corpo e
espírito.
Leituras:
BRANCO, Camilo Castelo, 1851: Anathema. Lisboa:
----------, 1851: Inspirações.
Porto: Typographia de J. J. Gonçalves Basto.
----------, 1854: Duas
Epochas na/da Vida. Porto: Typographia de A. S. dos Santos.
BARBOSA, Luís Xavier, 1919: Cem Cartas de Camilo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
CABRAL, Alexandre, 1981: Polémicas de Camilo Castelo Branco (vol. II). Lisboa: Horizonte.
----------, 1984: Correspondência de Camilo
Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva (vol. I). Lisboa:
Horizonte.
----------, 1984a: Correspondência de Camilo
Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva e com Sebastião de Sousa (vol.
II). Lisboa: Horizonte.
----------, 1989: Dicionário
de Camilo Castelo Branco. Lisboa: Caminho (2.ª ed.: 2003).
sábado, 11 de janeiro de 2014
segunda-feira, 6 de janeiro de 2014
haVer o que dá
14b:
Kiwi.
Em 14a, mostrei as flores. Umas são M, outras F. Brotam também em árvores M ou F. As F, sem as M, não se transformam em frutos. É a lei natural da vida. Mas basta uma só M para se dar a fecundação polinizada de meia dúzia de F. Ou até mais, desde que a distância entre elas não seja muita.
Está na altura de colher os frutos. Antes que venha uma geada ou neve e os queime, porque caída a folha, deixam de estar protegidos. Dá-se bem no Mato e dá pouco trabalho o seu cultivo: boa poda na altura própria, rega abundante no verão, corte de ramos-ladrão ou demasiado longos e... depois é só esperar pelo inverno para os colher e saborear. Colhidos com cuidado, aguentam-se muito tempo em bom estado.
É um fruto rico, dizem os entendidos, em várias vitaminas, bem como em fibras, potássio, sódio e outras substâncias.
Experimentem! Façam pela vida! Verão que lhes sabe bem!
sábado, 4 de janeiro de 2014
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