Camilo e os irmãos Barbosa e Silva [08]
No
ano de 1852, a não se terem perdido ou destruído outras, Camilo escreveu apenas
duas cartas a José Barbosa e Silva: uma datável de 16-I e outra de 25-IV.
Camilo não costumava datar a correspondência. Os dias indicados são, no
primeiro caso, do carimbo do correio e, no segundo, datação que Alexandre
Cabral encontrou no manuscrito, embora julgue «não ser do punho de Camilo.»
[Cabral, 1984 (I): 58]. Xavier Barbosa, que não inclui a primeira em Cem Cartas de Camillo, data a segunda de
22-IV. [Cf. Barbosa, 1919: 106]
Nestas
cartas, o escritor volta a incentivar o amigo de Viana à escrita e a apoiá-lo
nas suas iniciativas ou projetos neste domínio, sem desfalecimento nem olhar a males de inveja.
Já
me referi, brevemente, à primeira carta, ao abordar a penúria em que viveria Camilo, sobretudo na primeira metade da
década de 1850. É a parte final da carta, que por isso, ora não reproduzo. [Ver
Camilo
& Viana 005]
Ela, porém, começa assim (omito a saudação inicial):
«Suspendeste já essa bela estreia
folhetinística? Calou-se a inspiração do Minho no coração fecundo de seu filho?
Não posso crer, que eu sei o que são essas delícias, e o que pode a tua alma,
cheia de poesia, e reservada até hoje para muito sentir e fazer sentir.» [Cabral, 1984
(I): 56]
Camilo,
na última carta de 1851 (14-XI), incentivava o seu, então, grande amigo de
Viana a que comunicasse ao público as impressões que deveria ter trazido de Inglaterra, de onde teria
chegado com o coração a
transbordar de inspirações. [Ver Camilo &
Viana 008] Muito provavelmente, não é em relação à publicação dessas possíveis impressões que Camilo se refere nesta
primeira carta de 52. Para tal, o amigo não precisaria de se inspirar nas delícias do Minho.
Barbosa e Silva não deve ter publicado qualquer folhetim sobre a sua deslocação
a Londres. Assim sendo, o mais certo é ele ter suspendido a publicação de Cenas Contemporâneas da Vida Íntima de
Lisboa / Os Bailes, que vinha publicando n’O Nacional. (Ver idem e/ou Cabral, 1984 (I): 51-53). Mas
também poderá estar a referir-se a textos que, sob o título de «Revista de
Viana», Barbosa e Silva tinha começado a publicar no mesmo jornal, «desde o
começo do ano, pelo menos», como a seguir se lerá. [Cabral, 1984 (I): 58]
Barbosa e Silva não escreveria com a
facilidade nem com a abundância de Camilo. A escrita não seria a sua primeira
vocação. A política e a diplomacia, no seio do partido progressista, constituiriam,
certamente, os seus objetivos de vida. Recorde-se que o benjamim dos Barbosa e
Silva fora à Exposição de Londres, como se viu, em representação oficial de Portugal. Depois, foi adido de Portugal em
Paris e por três vezes sucessivas deputado às Cortes, por Viana. Foi ainda
nomeado representante de Portugal em Istambul, mas não chegou a ocupar o cargo.
Faleceu, de tísica mesentérica, em 1865. [Cf.
Vasconcelos, 1999: 46-47]
A fotografia de Camilo tem a data de 1857.O ano de nascimento está errado: não é 1826, mas 1825. O próprio escritor, durante largo tempo, indicou o primeiro ano. Mas sabe-se como ele errava frequentemente as contas.
Tenho vindo a referir-me às relações amigáveis entre Camilo e José Barbosa
e Silva, centradas sobretudo na atividade da escrita, jornalística e/ou
literária. Releva, nesta carta, a crença de Camilo na capacidade poética do
amigo vianês. Tal sentimento há de repeti-lo em cartas futuras e outros
escritos, como a seu tempo se verá/lerá. Barbosa e Silva era para Camilo
essencialmente poeta.
Idêntico sentimento de esperança nos dotes literários de José Barbosa e
Silva se encontra na segunda carta de 1852, sem contudo a transcrever na
íntegra, por a parte final não dizer respeito à escrita do amigo. (Omito
saudação inicial.)
«Avaliei os teus
desgostos, quando li a tua ultima revista.
Quando te forçaram a tanto, m[ui]to fel te vertêram no coração! Ha um dito popular,
que é uma consoladora maxima para um escriptor – antes mal de inveja q[ue] mal de piedade. Terras pequenas tem no
seu pequeno espaço quanto ridiculo abrangem os muros de Pariz. Deus nos livre
das socied[ad]es de soalheiro, que discutem na loja do mercador a vida do
homem, como uma tribu d’arabes ociosos discutem o andam[en]to da lua, q[ue]
eles la chamam fingari. Continua, menos colérico, por q[ue] o desprezo é a
melhor coroa do teu triunfo.
Eu cuidei q[ue] o Ecco do Lima não era cousa tua. Se, contra os teus
receios, o fizeres sahir do prelo, terei m[ui]ta honra em ser uma vez p[o]r
outra la admittido.
O prospecto, q[ue] me mandas, vou dar-lhe a vida errante q[ue] eu não posso
ter com ele. Vivo m[ui]to retirado: caza e aula e convento – não tenho outra
vida.» [Barbosa,
1919: 105-106. Também em Cabral, 1984 (I): 58-59]
[No final desta
carta, Camilo volta a referir-se a José Augusto Pinto de Magalhães e à sua
paixão por Fanny Owen, de que me ocuparei, oportunamente, a propósito de outros
textos camilianos, que não de epistolografia propriamente dita. Refere-se
também a um tal Lopes Cabral, de quem já disse o principal, em Camilo & Viana 005.]
Só a leitura da «última revista»,
escrita por Barbosa e Silva, já que as cartas que dirigiu a Camilo foram
destruídas, poderá ajudar a compreender o
mal de inveja sofrido e sentido. Ter-se-á tratado, segundo a carta, de inveja em domínios do literário. Falta
saber porquê, com base em quê e para quê. Terá sido pura maledicência política,
de algum adversário regenerador? Só
depois de consultar e analisar os textos do progressista
Barbosa e Silva, que espero reunir, se poderá saber.
Camilo mostra a sua solidariedade para com o amigo e consola-o, acreditando
no seu triunfo sobre/contra as cabaneirices (a palavra é minha) ou
coscuvilhices típicas dos meios pequenos.
«Eco do Lima» seria, muito possivelmente, o título para jornal em que
Barbosa e Silva andaria a pensar, antes de optar pelo de Aurora do Lima, como se sabe e de que depois falarei. O «prospecto»
enviado deveria destinar-se a angariar assinaturas para o tal Eco, onde Camilo manifesta estar
disposto a colaborar, uma vez por outra.
Procurei em Publicações Periódicas
Vianenses, excelente livro, a todos os títulos, de Rui A. Faria Viana e
António José Barroso, referência sobre a existência daquele título em Viana do
Castelo e não encontrei. O mais próximo que aí se encontra referido é Echo do Povo, publicado entre 1877 e
1879. E depois dele, outros Ecos
houve, com maior ou menor duração.[Cf.
Viana & Barroso, 2009: 202-215] Eco
do Lima foi, saiba-se já agora, título de jornal que se editou em Ponte de
Lima, entre 1866 e 1882, e encontra-se acessível online, aqui.
O comentário de Camilo a respeito do
prospeto não deixa de ser
interessante, ao confessar que não tem «vida errante», pois vive «muito
retirado: casa e aula e convento». Perguntar-se-á: aula, que aula? No
seminário, onde se tinha voltado a inscrever em 1851? E o convento? Será convento usado aqui como sinónimo de seminário? Mas
é também possível que Camilo esteja a referir-se à casa religiosa (Convento de
S. Bento da Ave-Maria) onde se encontrava Isabel Cândida Vaz Mourão, «que
manteve com Camilo uma prolongada relação amorosa. Conheceram-se no outeiro* de
1850, ao regressar de Lisboa.» Consta que se tratava de uma freira «feia», mas,
em contrapartida, «culta e rica», tendo dedicado a Camilo «uma afeição
duradoira.» [Cabral, 1989: 427-428]
{* Outeiros
ou abadessados eram «festivais de
arte e culinária, que duravam em regra três dias», organizados «por altura da
(re)eleição das abadessas dos respectivos mosteiros» e a que «concorriam os
poetas mais prestigiados de mistura com os novatos. […] / Camilo frequentou,
com assiduidade e durante um largo período, os “outeiros”, de extraordinária
ostentação e brilhantismo.» [Cabral, 1989: 13]}
Hei de voltar a referir-me a esta soror
Isabel Cândida em post(s) futuro(s).
Continuarei, no próximo, a tratar das relações entre Camilo e os Barbosa e
Silva, tendo como principal corpus a
correspondência enviada pelo primeiro aos segundos e, em particular, ao
benjamim da família. José Barbosa e Silva foi o único dos irmãos que se
interessou por questões da escrita, jornalística e literária.
Leituras:
BARBOSA, Luís Xavier, 1919: Cem Cartas de
Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
CABRAL, Alexandre, 1984: Correspondência de
Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva (vol. I). Lisboa:
Horizonte.
----------, 1989: Dicionário
de Camilo Castelo Branco. Lisboa: Caminho (2.ª ed.: 2003).
VASCONCELOS,
Maria Emília Sena de, 1999:
«Velhos vultos de Viana». Cadernos
Vianenses, Tomo XXV. Viana do Castelo: Câmara Municipal de Viana do
Castelo; pp. 45-54.
VIANA, Rui A. Faria & Barroso, António José, 2009: Publicações Periódicas Vianenses. Viana
do Castelo: Câmara Municipal.
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