terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Viana & Camilo 009


Camilo e os irmãos Barbosa e Silva [08]



No ano de 1852, a não se terem perdido ou destruído outras, Camilo escreveu apenas duas cartas a José Barbosa e Silva: uma datável de 16-I e outra de 25-IV. Camilo não costumava datar a correspondência. Os dias indicados são, no primeiro caso, do carimbo do correio e, no segundo, datação que Alexandre Cabral encontrou no manuscrito, embora julgue «não ser do punho de Camilo.» [Cabral, 1984 (I): 58]. Xavier Barbosa, que não inclui a primeira em Cem Cartas de Camillo, data a segunda de 22-IV. [Cf. Barbosa, 1919: 106]
Nestas cartas, o escritor volta a incentivar o amigo de Viana à escrita e a apoiá-lo nas suas iniciativas ou projetos neste domínio, sem desfalecimento nem olhar a males de inveja.
Já me referi, brevemente, à primeira carta, ao abordar a penúria em que viveria Camilo, sobretudo na primeira metade da década de 1850. É a parte final da carta, que por isso, ora não reproduzo. [Ver Camilo & Viana 005] Ela, porém, começa assim (omito a saudação inicial):

«Suspendeste já essa bela estreia folhetinística? Calou-se a inspiração do Minho no coração fecundo de seu filho? Não posso crer, que eu sei o que são essas delícias, e o que pode a tua alma, cheia de poesia, e reservada até hoje para muito sentir e fazer sentir.» [Cabral, 1984 (I): 56]
              
Camilo, na última carta de 1851 (14-XI), incentivava o seu, então, grande amigo de Viana a que comunicasse ao público as impressões que deveria ter trazido de Inglaterra, de onde teria chegado com o coração a transbordar de inspirações. [Ver Camilo & Viana 008] Muito provavelmente, não é em relação à publicação dessas possíveis impressões que Camilo se refere nesta primeira carta de 52. Para tal, o amigo não precisaria de se inspirar nas delícias do Minho. Barbosa e Silva não deve ter publicado qualquer folhetim sobre a sua deslocação a Londres. Assim sendo, o mais certo é ele ter suspendido a publicação de Cenas Contemporâneas da Vida Íntima de Lisboa / Os Bailes, que vinha publicando n’O Nacional. (Ver idem e/ou Cabral, 1984 (I): 51-53). Mas também poderá estar a referir-se a textos que, sob o título de «Revista de Viana», Barbosa e Silva tinha começado a publicar no mesmo jornal, «desde o começo do ano, pelo menos», como a seguir se lerá. [Cabral, 1984 (I): 58]

 Barbosa e Silva não escreveria com a facilidade nem com a abundância de Camilo. A escrita não seria a sua primeira vocação. A política e a diplomacia, no seio do partido progressista, constituiriam, certamente, os seus objetivos de vida. Recorde-se que o benjamim dos Barbosa e Silva fora à Exposição de Londres, como se viu, em representação oficial de Portugal. Depois, foi adido de Portugal em Paris e por três vezes sucessivas deputado às Cortes, por Viana. Foi ainda nomeado representante de Portugal em Istambul, mas não chegou a ocupar o cargo. Faleceu, de tísica mesentérica, em 1865. [Cf. Vasconcelos, 1999: 46-47]

A fotografia de Camilo tem a data de 1857.O ano de nascimento está errado: não é 1826, mas 1825. O próprio escritor, durante largo tempo, indicou o primeiro ano. Mas sabe-se como ele errava frequentemente as contas.

Tenho vindo a referir-me às relações amigáveis entre Camilo e José Barbosa e Silva, centradas sobretudo na atividade da escrita, jornalística e/ou literária. Releva, nesta carta, a crença de Camilo na capacidade poética do amigo vianês. Tal sentimento há de repeti-lo em cartas futuras e outros escritos, como a seu tempo se verá/lerá. Barbosa e Silva era para Camilo essencialmente poeta.
Idêntico sentimento de esperança nos dotes literários de José Barbosa e Silva se encontra na segunda carta de 1852, sem contudo a transcrever na íntegra, por a parte final não dizer respeito à escrita do amigo. (Omito saudação inicial.)

«Avaliei os teus desgostos, quando li a tua ultima revista. Quando te forçaram a tanto, m[ui]to fel te vertêram no coração! Ha um dito popular, que é uma consoladora maxima para um escriptor – antes mal de inveja q[ue] mal de piedade. Terras pequenas tem no seu pequeno espaço quanto ridiculo abrangem os muros de Pariz. Deus nos livre das socied[ad]es de soalheiro, que discutem na loja do mercador a vida do homem, como uma tribu d’arabes ociosos discutem o andam[en]to da lua, q[ue] eles la chamam fingari. Continua, menos colérico, por q[ue] o desprezo é a melhor coroa do teu triunfo.
Eu cuidei q[ue] o Ecco do Lima não era cousa tua. Se, contra os teus receios, o fizeres sahir do prelo, terei m[ui]ta honra em ser uma vez p[o]r outra la admittido.
O prospecto, q[ue] me mandas, vou dar-lhe a vida errante q[ue] eu não posso ter com ele. Vivo m[ui]to retirado: caza e aula e convento – não tenho outra vida.» [Barbosa, 1919: 105-106. Também em Cabral, 1984 (I): 58-59]
[No final desta carta, Camilo volta a referir-se a José Augusto Pinto de Magalhães e à sua paixão por Fanny Owen, de que me ocuparei, oportunamente, a propósito de outros textos camilianos, que não de epistolografia propriamente dita. Refere-se também a um tal Lopes Cabral, de quem já disse o principal, em Camilo & Viana 005.]

Só a leitura da «última revista», escrita por Barbosa e Silva, já que as cartas que dirigiu a Camilo foram destruídas, poderá ajudar a compreender o mal de inveja sofrido e sentido. Ter-se-á tratado, segundo a carta, de inveja em domínios do literário. Falta saber porquê, com base em quê e para quê. Terá sido pura maledicência política, de algum adversário regenerador? Só depois de consultar e analisar os textos do progressista Barbosa e Silva, que espero reunir, se poderá saber.
Camilo mostra a sua solidariedade para com o amigo e consola-o, acreditando no seu triunfo sobre/contra as cabaneirices (a palavra é minha) ou coscuvilhices típicas dos meios pequenos.
«Eco do Lima» seria, muito possivelmente, o título para jornal em que Barbosa e Silva andaria a pensar, antes de optar pelo de Aurora do Lima, como se sabe e de que depois falarei. O «prospecto» enviado deveria destinar-se a angariar assinaturas para o tal Eco, onde Camilo manifesta estar disposto a colaborar, uma vez por outra. Procurei em Publicações Periódicas Vianenses, excelente livro, a todos os títulos, de Rui A. Faria Viana e António José Barroso, referência sobre a existência daquele título em Viana do Castelo e não encontrei. O mais próximo que aí se encontra referido é Echo do Povo, publicado entre 1877 e 1879. E depois dele, outros Ecos houve, com maior ou menor duração.[Cf. Viana & Barroso, 2009: 202-215] Eco do Lima foi, saiba-se já agora, título de jornal que se editou em Ponte de Lima, entre 1866 e 1882, e encontra-se acessível online, aqui.
 O comentário de Camilo a respeito do prospeto não deixa de ser interessante, ao confessar que não tem «vida errante», pois vive «muito retirado: casa e aula e convento». Perguntar-se-á: aula, que aula? No seminário, onde se tinha voltado a inscrever em 1851? E o convento? Será convento usado aqui como sinónimo de seminário? Mas é também possível que Camilo esteja a referir-se à casa religiosa (Convento de S. Bento da Ave-Maria) onde se encontrava Isabel Cândida Vaz Mourão, «que manteve com Camilo uma prolongada relação amorosa. Conheceram-se no outeiro* de 1850, ao regressar de Lisboa.» Consta que se tratava de uma freira «feia», mas, em contrapartida, «culta e rica», tendo dedicado a Camilo «uma afeição duradoira.» [Cabral, 1989: 427-428]
{* Outeiros ou abadessados eram «festivais de arte e culinária, que duravam em regra três dias», organizados «por altura da (re)eleição das abadessas dos respectivos mosteiros» e a que «concorriam os poetas mais prestigiados de mistura com os novatos. […] / Camilo frequentou, com assiduidade e durante um largo período, os “outeiros”, de extraordinária ostentação e brilhantismo.» [Cabral, 1989: 13]}
Hei de voltar a referir-me a esta soror Isabel Cândida em post(s) futuro(s).
Continuarei, no próximo, a tratar das relações entre Camilo e os Barbosa e Silva, tendo como principal corpus a correspondência enviada pelo primeiro aos segundos e, em particular, ao benjamim da família. José Barbosa e Silva foi o único dos irmãos que se interessou por questões da escrita, jornalística e literária.

Leituras:
BARBOSA, Luís Xavier, 1919: Cem Cartas de Camillo. Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
CABRAL, Alexandre, 1984: Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva (vol. I). Lisboa: Horizonte.
----------, 1989: Dicionário de Camilo Castelo Branco. Lisboa: Caminho (2.ª ed.: 2003).
VASCONCELOS, Maria Emília Sena de, 1999: «Velhos vultos de Viana». Cadernos Vianenses, Tomo XXV. Viana do Castelo: Câmara Municipal de Viana do Castelo; pp. 45-54.
VIANA, Rui A. Faria & Barroso, António José, 2009: Publicações Periódicas Vianenses. Viana do Castelo: Câmara Municipal.

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