fez 188 anos” deve ser considerado Camilo & Viana 001.
Camilo e os irmãos Barbosa e Silva [01]
Camilo viera passar
a Semana Santa daquele ano nesta cidade, a convite do amigo, com o beneplácito,
certamente, dos irmãos, todos eles mais velhos, Mateus José (1821-1882), Maria
Cândida (1822-1908), António (1823-1866) e Luís (1825-1892). Durante esta sua primeira
estada em Viana, Camilo deve ter convivido também com outros amigos vianeses,
filhos, uns e outros, de famílias abastadas.
Camilo e José conheceram-se, em 1849, no Colégio da
Formiga (Maia-Porto), onde o jovem Barbosa e Silva estudava alemão. A partir
deste ano, a amizade entre ambos foi-se desenvolvendo e aprofundando, numa
relação afetiva quase fraternal, com interesses e cumplicidades mútuas. Além de
outros testemunhos escritos, as cartas que o escritor enviou a José (cerca de
200) e a Luís Barbosa e Silva (25), mostram, claramente, quão fortes eram os
laços que os uniam. Consultem-se os dois volumes Correspondência de Camilo Castelo Branco com os irmãos Barbosa e Silva
(I), e […] e com Sebastião de Sousa
(II), publicados, em 1984, por Alexandre Cabral. E a coletânea Cem Cartas de Camilo, coordenadas e anotadas por Luís Xavier
Barbosa, editada em 1919.
Xavier Barbosa
(1849-1925) era descendente dos Barbosa e Silva, pelo lado materno. A mãe, Maria
Cândida, era irmã dos Barbosa e Silva. Xavier Barbosa, embora vivesse em
Caminha, onde nascera, vinha passar férias, em criança, a casa dos tios vianeses.
E aqui chegou a ver e conhecer o escritor. Logo no início do «proemio», conta,
em terceira pessoa, o «coordenador das cartas» que,
«Em 1857, com pouco mais
de 7 annos, estava accidentalmente em Vianna do Castello; e ainda se lembra de,
ahi, ter visto um homem alto e feio, picado das bexigas, de bigode hirsuto,
transitar pausadamente pelas ruas da cidade, parecendo ser figura de prestigio,
pela firmesa da marcha e pelo aprumo do porte; e, de feito, os que com elle se
cruzavam, não resistiam a voltarem-se e a olharem-n'o com persistente
curiosidade.» [As páginas do «proemio» não se encontram
numeradas.]
É neste volume das Cem Cartas de Camilo que se encontram os textos camilianos acima
referidos e que Camilo deixou escritos no álbum de José Barbosa e Silva.
Apresentarei, neste post, o texto em
prosa, segu(i)ndo a transcrição de Luís Xavier Barbosa (1919: 69-70). No próximo “Camilo
& Viana 003”, apresentarei o poema.
«“Pedis-te-me
uma poesia no teu album. Não posso, amigo, e tu não duvidas que não posso.
Pedir ao coração concentrado n'uma agonia surda, um hymno festival, é dizer aos
labios d'um cadaver, que se descerrem, e chamem, uma por uma, as illusões da
vida, q[ue] o abandonaram no leito da morte.
Tu sabes que eu soffro m[ui]to; e a
linguagem da dôr suprema é o silencio. Não creias nas angustias que os poetas
te contam. Não creias nas m[inh]as que eu também não creio nas tuas.
Na minha vida, não é esta a primeira
vez que tento embalde arrancar do coração um poema de lagrimas. Como Job, o
typo sublime da mortificação, eu, quando soffro, interrogo Deus audaciosam[en]te,
pesso-lhe a causa das m[inh]as turturas; mas pesso-lha gemendo e chorando no
intimo silencio de abatimento moral.
E não posso – a um amigo como tu, a um
anjo de consolações como tens sido p[a]ra mim – não posso, Barbosa, revelar o
inferno, q[eu] sinto aqui neste coração fadado para o infinito dos supplicios.
Recolhi-me á solidão do meu quarto,
quando me convidavas para uma reunião d'amigos teus, que deviam distrahir-me da
prostração profunda em q[eu] me deixaste. Não podiam conseguil-o. Eu sei q[eu]
é estéril a palavra do homem, e impotente a consolação do amigo.
Aquellas Lamentaçoens dos anjos do claustro – aquellas elegias
choradas no tumulo de Christo – aquellas vozes moduladas por labios que nunca
tocaram o fel da taça mundana, accordaram-me no espirito um desejo de abandonar
o corpo, um sabor anticipado da morte, um enojo de mim próprio, que nunca eu
saberei explicar. E, desde esse momento, sinto-me m[ai]s infeliz que nunca...
Barbosa! Deixa-me escrever-te uma profecia no
teu album: – Irás abraçar, um dia, um monge á portaria do Claustro, e não
poderás dar-lhe o nome, que lhe deste, no mundo, quando lhe chamavas
Camillo
Castello-Branco”
5.ª feira da Semana sancta –
Vianna – 1853 »
Notas finais
1) Nas transcrições, foi respeitada a (orto)grafia das edições
consultadas.
2) Em Vasconcelos, 1991 e 1999, os textos são ilustrados com
fotografias de Camilo, dos irmãos Barbosa e Silva, Ana Plácido e Luís Xavier
Barbosa, entre outras.
3) O desenho do rosto de Luís Xavier Barbosa encontra-se em ARAÚJO, 1990: 27.
Leituras
ARAÚJO,
José Rosa de, 1990: Queimei cartas de
Camilo. Viana do Castelo. Câmara Municipal de Viana do Castelo. O título é
frase atribuída a Luís Xavier Barbosa.
BARBOSA,
Luís Xavier, 1919: Cem Cartas de Camilo.
Lisboa: Portugal-Brasil Limitada, Sociedade Editora.
CABRAL,
Alexandre, 1984: Correspondência de
Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva (vol. I). Lisboa:
Horizonte.
----------,
1984a: Correspondência de Camilo Castelo
Branco com os Irmãos Barbosa e Silva e com Sebastião de Sousa (vol. II).
Lisboa: Horizonte.
VASCONCELOS,
Maria Emília Sena de, 1991: «Os Barbosa e Silva, de Viana, e Camilo». Cadernos Vianenses. Tomo XV. Viana do
Castelo: Câmara Municipal de Viana do Castelo; pp. 111-127. Acessível também AQUI.
----------, 1999: «Velhos vultos de Viana». Cadernos Vianenses, Tomo XXV. Viana do
Castelo: Câmara Municipal de Viana do Castelo; pp. 45-54. Acessível também AQUI.
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