quarta-feira, 3 de julho de 2013

Apitadelas 002



Apito de cana de foguete - Introdução



Na minha terra natal, ou não há rapazes ou eles já não correm atrás de foguetes. Uns dias depois da Páscoa, ao esticar as pernas pelos maus caminhos do Mato, encontrei perdidas, em vários sítios, algumas das suas canas. Ainda há quem goste de assinalar a visita pascal e outras efemérides, estrondosaMente. Mas vou deixar, para outra(s) oportunidade(s), o uso de foguetes a que os meus conterrâneos recorrem para festejar acontecimentos, públicos e particulares, socialmente importantes.


Vou tratar, agora, do destino lúdico mais frequente que, quando rapazes, fazíamos dessas canas. A sua apanha, de olho nelas e, muitas vezes, nariz no chão, gerava, entre nós, aceso despique e, por vezes, disputas de posse, e até sacanices. Quem chegasse ao Terreiro* com maior braçado delas era um herói. Ainda que trouxesse arranhões nos joelhos e braços, e/ou rasgões nas calças e camisa.


Minha mãe e minhas irmãs usavam-nas como estaca das plantas caseiras com que enfeitavam os peitoris das janelas. Nós, a canalha M, fazíamos delas vários brinquedos. Toscas canas de pesca, por exemplo. Para o que, além delas, bastava um pedaço de linha branca, por sediela, e um curvo arame de rede, por anzol, com a ponta afiada. E lá íamos nós, todos confiantes, para o Rio dos Cubos (que não passava de um pobre e manso fio de água corrente entre salgueiros, choupos, amieiros, juncos, silvas e outras ervas mais ou menos daninhas), lá íamos nós, dizia, pôr a minhoca de molho, na esperança, nunca perdida e sempre adiada, de uma distraída trutinha morder a isca e presa ficar pelos beiços. Enquanto – claro! – o guarda-rios não aparecia. Fenómeno raríssimo, aliás. Mas elas, as safadas trutas, chegavam todas satisfeitas, mesmo como peixe na água, cheiravam a bicha rabiante, circulavam-na várias vezes, davam-lhe com o rabo, mas pegar-lhe - tó rola! - é o pegas. Mas o maior desgosto era quando, como por cá ainda se diz, ela nos comia a isca e cagava no anzol. Paciência! Ainda há aqui na lata mais uma minhoquita! Toca a enfiá-la no sítio e de novo a mergulhar no leito. Mais uma tentativa e... Agora, ela vai cair…   



Mas o brinquedo que eu, com canas destas, mais gostava de fazer era o apito. Prefiro apito, não assobio nem gaita. Estes eram, no Mato do meu tempo de rapaz, outros instrumentos de sopro. O assobio era apenas o som que se produz fazendo sair, com jeito e intensidade certa, o ar pelos lábios, com eles postos nas várias posições conhecidas. A gaita era tanto um realejo – gaita de beiços, também lhe chamávamos – como um pobre e pequeno instrumento de palheta, feito em latão, antes da invasão monopolista do plástico. Depois, dar uma gaitada não é o mesmo que, como bem se deve saber, dar uma assobiadela. E uma apitadela, muito menos! Só assobia quem não tem gaita nem apito.

Apitadelas eram, pois, a minha paixão de rapaz. Aquilo era apitadela aqui, apitadela ali, apitadela acolá, da manhã à noite, em qualquer sítio e lugar. De tal modo que minha mãe avisou-me, várias vezes, nestes termos: «Com tanta apitadela, rapaz, ainda ficas sem fôlego!».


Os apitos de cana, com que, ludicaMente, apitadelas dava, eram feitos com o engenho artesanal que no próximo post darei a ver, i.e., descreverei, com as ilustrações necessárias e suficientes. Não deitem, por isso, foguetes antes da festa!

* O Terreiro, do meu tempo de rapaz e moço, era de terra batida. O muro do adro era mais alto. Onde se veem agora ciprestes ou cedros havia então velhas e enormes oliveiras, de grossas e fasciculadas raízes à superfície da terra, a cujas sombras nos divertíamos, com brinquedos e brincadeiras.

Nota
Este é o centésimo post deste «e-terno retorno». Mereceria ser festejado, por isso, também com foguetes. O primeiro foi publicado a 5 de outubro de 2011. Aí projetava descrever os brinquedos e as brincadeiras com que, na infância, nós, a rapaziada F e M de Mato, entretínhamos os tempos livres. E escrevi, então, a primeira apitadela. Entretanto, outros temas se me foram impondo. A intenção original ampliou-se e outros passatempos temáticos, remotos e atuais, entraram neste blogue. Sem, porém, nunca desistir dos brinquedos e brincadeiras, para os/as quais – diz-me quem me conheceu – eu era danado. Aos amigos, aos conhecidos e aos desconhecidos que têm tido a rara paciência e a generosa bondade de visitar este blogue e comentar os posts, aqui ficam os meus agradecimentos: e-ternaMente, e-videnteMente.

1 comentário:

  1. Bom, bom, era o próximo post vir com a melodia da dita apitadela...

    gabi

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