De facto, a tradição já não é o que era. As maias [ou maios] que, no meu tempo de criança, cá no Mato, enfeitavam, a bem dizer, todas as entradas das habitações (paredes, janelas, postigos, portas, portadas, portões) e propriedades rurais (eidos, campos, leiras, bouças, lameiros), cortes gado e cortelhos e capoeiras (cancelas e cancelinhas, portelos e portinholas), a par de meios de transporte e trabalho (carros de bois, jugos, carroças, cabrestos, automóveis, camiões, carrinhas, “carreiras”), já não se encontram, com a abundância, variedade e beleza artesanal de há meio século.
Hoje, ao dar a minha habitual caminhada, fui de olho nelas, as maias, claro. Encontrei apenas uma digna desse nome.
Aproxima-se, como se vê, das antigas. Essas eram construídas por mulheres e raparigas, nas vésperas do dia um de maio. Eram feitas ao despique, em segredo, por isso. E colocadas ao fim da tarde do dia 30 de abril, depois do sol-posto, como mandava a tradição, inspirada num episódio evangélico de que, mais abaixo, falarei.
As maias eram “roscas” floridas. Com palha de centeio, que não era completamente triturada pelos malhos, apenas a parte das espigas. Era o colmo. Com ele, um pouco humedecido, faziam-se cordas para atar, por exemplo, fardos de palha milha. Era também utilizado (seco, claro) para encher colchões e como tochas (alumieiros). Pois era com uma boa manada de colmo que se fazia-se roda, com diâmetro variável (cerca de 30 cm, geralmente). Depois, escolhiam-se as flores e os “verdes”, que eram enfiados e presos (umas e outros) na “rosca”. Só de um lado, porque o outro ficava encostado à parede, por cima ou na própria porta principal, por baixo ou por cima da janela, na padieira do portão, entradas principais da casa e, por isso, voltadas para o lado de onde os vizinhos vissem. Vaidadezinhas! Justificáveis, pois claro!
Há 50 anos, mais coisa menos coisa, também já se colocavam giestas floridas, sobretudo amarelas, que por esta altura do ano estão carregadinhas de flores. Aliás, não havia tempo nem vagares para se fazer e pôr uma “rosca” em cada entrada. Ele há tantas!
Hoje, por isso, nas entradas das casas (e não de todas), o que vi foi, quase exclusivamente, ramos de giestas amarelas, uns maiores outros menores, uns mais cuidadosamente colocados, outros simplesmente pendurados. Mas a crença e a superstição de que as maias (“roscas” e giestas) protegem as propriedades (urbanas e rústicas) e seus proprietários de toda a espécie de males e malefícios continuam relativamente vivas. Sobretudo as habitações. Não encontrei entradas de propriedades rústicas “maiadas”.
Mas encontrei maias em alguns tratores, os atuais carros de bois, puxados, porém, por potentes cavalos que se alimentam, não de palha, mas de gasóleo, cada vez mais caro, como os olhos da cara.
A tradição tem raízes na narrativa bíblica da fuga da Sagrada Família.
Quando Herodes mandou procurar Jesus, certo dia, ao fazer-se noite, Jesus e seus pais foram acolhidos numa pequena casa. Os soldados do malvado rei iam atrás do Menino, para o matar, inspecionando todas as habitações. Como, porém, depois do sol-posto, a lei não os deixava entrar nelas, marcaram, com um ramo na porta, a última que visitaram. Na manhã seguinte, ao retomarem a inspeção, todas as outras portas tinham também um ramo de flores. E…
Era esta a explicação de minha mãe. Queria lá ela saber de ancestrais ciclos festivos, ritos e rituais pagãos e da sua cristianização pela sua santa madre igreja. Isso é coisa para quem não tem mais com que gastar o tempo, filho.
Como aquele que, não obstante respeitar a tradição, prefere, em vez de pendurar ramos de giesta nas portas, cultivá-las no seu jardim. Sim senhor! Bem bonitas!
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